Chama-se a este 3º Domingo do Advento, o Domingo da Alegria ou Domingo Gaudete. E é esse também um dos temas dominantes da Liturgia da Palavra de hoje. É, aliás, tema recorrente nas Exortações Apostólicas do Papa Francisco: “A alegria do Evangelho”, “A alegria do Amor” e “Alegrai-vos e Exultai”, esta última sobre a vocação à santidade no mundo atual.
E porque nos alegramos ainda porque nesta Eucaristia(1) várias mulheres grávidas pedem ao Senhor a graça de um bom parto e a bênção para os seus filhos, parece-me oportuno percorrermos alguns números(2) da Exortação Apostólica Amoris Laetitia(3) (A alegria do amor) e meditarmos no conceito de fecundidade alargada que é, em certo sentido, a resposta de João Baptista àqueles que lhe perguntavam: «Que devemos fazer?» e a que ele responde: «Quem tiver duas túnicas reparta com quem não tem nenhuma; e quem tiver mantimentos faça o mesmo». Na pergunta que as multidões e nós fazemos a João Baptista – «Que devemos fazer?» – está o desejo de vivermos em maior comunhão com Deus e corresponsabilidade para com o próximo. Na resposta de João, uma forma inequívoca de fecundidade porque mesmo o amor conjugal «não se esgota no interior do próprio casal» como ensinava São João Paulo II.
Primeiro pensemos na alegria própria da gravidez. «Os filhos são amados antes de chegar». São amados pela família «que é o âmbito não só da geração, mas também do acolhimento da vida que chega como um presente de Deus.»
A gravidez é um período difícil, mas também um tempo maravilhoso. A mãe colabora com Deus, para que se verifique o milagre duma nova vida. Cada mulher participa do «mistério da criação, que se renova na geração humana». Assim diz o Salmo: Senhor, «formaste-me no seio de minha mãe» (Sl 139/138, 13). Cada criança, que se forma dentro de sua mãe, é um projecto eterno de Deus Pai e do seu amor eterno: «Antes de te haver formado no ventre materno, Eu já te conhecia; antes que saísses do seio de tua mãe, Eu te consagrei» (Jr 1, 5). Cada criança está no coração de Deus desde sempre e, no momento em que é concebida, realiza-se o sonho eterno do Criador. Pensemos quanto vale o embrião, desde que é concebido! É preciso contemplá-lo com este olhar amoroso do Pai, que vê para além de toda a aparência. (Cf. n. 168)
A mulher grávida pode participar deste projecto de Deus, sonhando o seu filho: «Toda a mãe e todo o pai sonharam o seu filho durante nove meses. (Cf. n. 169)
Hoje, com os progressos feitos pela ciência, é possível saber de antemão a cor que terá o cabelo da criança e as doenças que poderá ter no futuro, porque todas as características somáticas daquela pessoa estão inscritas no seu código genético já no estado embrionário. Mas, conhecê-lo em plenitude, só consegue o Pai do Céu que o criou: o mais precioso, o mais importante só Ele conhece, pois é Ele que sabe quem é aquela criança, qual é a sua identidade mais profunda. A mãe, que o traz no ventre, precisa de pedir luz a Deus para poder conhecer em profundidade o seu próprio filho e saber esperá-lo como ele é. É importante que aquela criança se sinta esperada. (Cf. n. 170)
Mas «a maternidade não é uma realidade exclusivamente biológica, ela expressa-se de diversas maneiras», como por exemplo pela adoção, que é um caminho difícil mas de extrema generosidade… acolher e amar quem foi abandonado.
Ainda assim, «a procriação e a adoção não são as únicas maneiras de viver a fecundidade do amor». Diz o Papa Francisco que «todas as famílias, com ou sem filhos, são chamadas a desenvolver outras formas de fecundidade deixando a sua marca na sociedade em que está inserida.»
Jesus movia-se no contexto de uma família alargada. Lembremo-nos daquele dia em que ele, com apenas 12 anos, andava pela caravana entre os familiares e amigos e José e Maria à procura.
A comunidade cristã, as empresas, as associações, a freguesia onde vivo, são a minha família alargada. São os espaços onde a minha família é chamada, com o testemunho e a palavra, a transmitir a fé, a mostrar a beleza do Evangelho e do estilo de vida que nos propõe. Assim, diz o Papa Francisco, «os esposos cristãos pintam o cinzento do espaço público, colorindo-o de fraternidade, sensibilidade social, defesa das pessoas frágeis, fé luminosa, esperança ativa. A sua fecundidade alarga-se, traduzindo-se em mil e uma maneiras de tornar o amor de Deus presente na sociedade.» (Cf. n. 184)
«As tuas mãos são a minha carícia,
o meu despertar diário
amo-te porque tuas mãos
trabalham pela justiça.
Se te amo, é porque és
o meu amor, o meu cúmplice e tudo
e na rua, lado a lado,
somos muito mais que dois»
Mário Benedetti (poeta uruguaio da chamada geração de 45)
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(1) Eucaristia celebrada na Igreja de Santo António, em Barcelos, no dia 16 de dezembro de 2018, às 12h00.
(2) Não houve grande preocupação na colocação das aspas e citações mas todo o mérito do texto vai para o Papa Francisco, responsável pela publicação da Amoris Laetitia.