Carla Guimarães Cardoso
Na generalidade consideramos como inevitável que com o passar dos anos se vá perdendo lentamente capacidade auditiva e que surja concomitantemente alguma deterioração cognitiva/demência. Mas serão fenómenos isolados? Haverá alguma ligação entre a perda de audição e a demência?
De facto nos últimos anos têm surgido cada vez mais evidências clínica e epidemiológica da estreita relação entre a perda auditiva associa à idade e a demência. Embora o aparecimento de ambas seja naturalmente mais frequente com o passar dos anos está demonstrado que a perda de audição contribui de forma isolada para um aumento de risco de demência.
Quando comparamos indivíduos, com a mesma idade, com audição normal e com perda auditiva o risco de desenvolvimento de demência aumenta 2 vezes, no caso de perda auditiva ligeira, 3 vezes, no caso de moderada e 5 vezes mais no caso de perda severa.1
São três as principais razões apontadas.
Em primeiro lugar quem ouve mal necessita de fazer um maior esforço para conseguir ouvir e compreender o que lhe é dito. Este esforço extra vai desviar os recursos cerebrais necessários para outras tarefas. O cérebro está constantemente em modo de multitarefa.
Por outro lado a falta de estimulo auditivo para o córtex auditivo leva a uma reorganização e atrofia cerebrais que ultrapassam a área auditiva.
Por último o ser humano é uma espécie social. A dificuldade em ouvir, em manter uma conversa, o embaraço de perceber mal o que nos dizem levam a um progressivo isolamento. “Se não consigo entender o que me dizem então não quero estar em sítios em que seja obrigada a conversar” – Esta é uma frase comum em doentes com perda auditiva. Evitar espaços públicos, evitar estar com os outros conduz a uma vida mais isolada e sedentária e com menos estímulos cognitivos. Aqui, a perda auditiva vai tocar noutro ponto para além da demência, na depressão.
Neste momento sabemos que a prevalência de perda auditiva aumenta com a idade e que ainda não conseguimos alterar este facto. Sabemos também da relação entre a perda e a demência. Mas mais importante é que temos meios não para curar a perda de audição associada à idade mas para minorar os seus efeitos.
Melhorar a audição vai muito para além de simplesmente ouvir melhor.
Nota Bibliográfica:
1 – Lin FR, Niparko JK, Ferrucci L. Hearing loss prevalence in the United States. Arch Intern Med. 2011;171(20):1851–1852. doi: 171/20/1851 [pii] 10.1001/archinternmed.2011.506. [PMC free article] [PubMed]