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Cidadania e Sociedade

EM CASO DE SEPARAÇÃO, QUEM FICA COM O CÃO?

Esraíta Delaias Araújo

Há cerca de uns 4 ou 5 anos lembro-me de receber no meu escritório um casal que se queria divorciar. Não chegaram a ter filhos, mas tinham vários bens em comum.

O casal, ambos bancários, queria um divórcio rápido. Concordavam em tudo relativamente à partilha dos bens e à atribuição da casa morada de família. A princípio, tudo parecia bastante simples.

Vinham já munidos de uma pequena lista de coisas que ficariam afeta a cada um deles.

Enviado o requerimento à Conservatória até ao fim daquela semana, rapidamente estariam divorciados.

Brincaram durante a consulta, tendo ela dito que a festa do divórcio seria mais cara do que a festa de casamento. Mas nem tudo o que parece fácil, é.

Havia uma única coisa que não se afigurava pacífica entre aquele casal, a propriedade do Sebastian.

O Sebastian era um bulldog francês de 6 anos que ele lhe tinha oferecido no dia dos namorados, um ano depois de se terem casado.

Estavam casados há 7 anos e o Sebastian parecia o “filho” que não chegaram a ter.

Ela achava que o Sebastian era propriedade dela, pois tinha sido um presente. O registo e o microchip estavam em nome dela, logo, queria ficar com ele e ponto final.

Ele entendia que o Sebastian era de ambos, um bem comum. Foi ele que o comprou a um criador certificado quando já estavam casados e o regime era comunhão de adquiridos.

Aquele casal estava decido a se separar sem grandes constrangimentos. Tinham ambos bons rendimentos e não estavam preocupados com os “restantes bens”.

Tinham dois imóveis, dois carros e quase tudo era consensual. Menos o Sebastian.

Também estavam certos de que não se manteriam amigos após o divórcio. A relação terminaria no dia da partilha.

Assim, queriam a minha ajuda para resolver com quem ficaria o Sebastian.

Naquela altura, os animais de companhia ainda eram considerados “coisas”, embora muitas famílias já os considerassem membros do agregado.

Aquele divórcio, onde tudo inicialmente parecia fácil foi, por incrível que pareça, dos processos mais difíceis que já tive.

Ele tinha sido promovido a diretor de balcão e ia viver a pouco mais de 100 km de Lisboa.

Foi muito complicado conseguir um acordo.

Para piorar a situação, dois dias depois daquela consulta o Sebastian caiu da escada do duplex onde o casal ainda vivia. Parecia ter recebido uma descarga elétrica. Diagnosticaram-lhe epilepsia.

No fim, e em resumo, conseguimos entrar em acordo e o Sebastian passou a ficar uma semana em casa em casa de cada um deles, alternadamente.

Fizemos um acordo sobre o Sebastian, mas na altura a Conservadora não aceitou que o documento integrasse o processo e não consideramos um problema.

Lembro-me que fiz o reconhecimento das assinaturas num documento que estabelecia a residência partilhada do Sebastian. O acordo continha inclusivamente o tipo de ração e o nome do veterinário de confiança.

Pediram-me que arquivasse uma cópia do acordo para o caso de haver problemas futuros.

O Sebastian veio a falecer 11 meses depois do divórcio, em casa dela. Mas foi ele quem me ligou, gentilmente, a participar a situação.

O homem estava destroçado.

– Deite fora aquele contrato, doutora. – Pediu com voz trêmula.

Nas associações de animais onde faço voluntariado já contei a história do divórcio dos donos do Sebastian muitas vezes.

Vi essas associações resgatarem cães e gatos que os donos abandonaram na altura da separação.

O Sebastian foi um sortudo, apesar da epilepsia.

A partir de 2017, situações de donos como os do Sebastian, bem como daqueles que abandonam os seus animais de estimação após a separação, estão legisladas.

A Lei n.º 8/2017 de 3 de março, alterou os códigos de processo civil, civil e penal. Os animais de estimação deixaram de ser considerados “coisas”, sendo-lhes reconhecida a sua natureza de seres vivos dotados de sensibilidade.

Com a redação do artigo 1793.º – A, os animais de companhia devem ser confiados a um ou a ambos os cônjuges, considerando os interesses de cada um deles e dos filhos do casal, como também o bem-estar do animal.

Um dos objetivos da lei é tentar evitar o abandono animal. Evitar que, após a separação, ninguém queira assumir a responsabilidade por aquele ser vivo.

No caso de haver mútuo consentimento, o divórcio é feito numa Conservatória do Registo Civil. Agora é obrigatório a entrega (instruindo o requerimento de divórcio) de um acordo relativo a guarda dos animais de companhia, tal como o acordo de regulação do exercício das responsabilidades parentais e os demais acordos.

Em caso de litígio, será o Tribunal a decidir a guarda dos animais de estimação, com base em fatores objetivos.

O abandono não é alternativa!

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