No mês dos afectos, falemos do seu rei: o AMOR.
A tua vida depende totalmente do funcionamento dessa bomba. A bomba do teu velho coração teve fugas, e sofreu os danos colaterais, que são, sem o saberes, danos incalculáveis: os batimentos tornaram-se tão fortes, que seria de se dizer impossível a bomba aguentar tamanhas rotações para funcionar normalmente; as válvulas – essas dobras membranosas que cerram os orifícios entre as aurículas e os ventrículos para impedir o sangue de refluir – prendem, parecendo colapsar; e toma cuidado quando não se abre uma válvula por si só, quando a pressão é excessiva, como uma máquina que precise de deixar sair uma parte do vapor para não explodir; tens dúvidas que o sangue te passe escorreito pelas veias, porque sentes a inflamação que te queima e te deixa o corpo num desassossego.
Qualquer médico diria tratar-se de um caso sem cura. Nenhuma ciência poderia explicar. A tua vida depende totalmente dessa máquina que é o coração, a máquina espantosa, com engrenagens sinuosas e perfeitas, diferentes de qualquer obra de engenharia que possamos apreciar, o músculo capilar interior, ensarilhado em cordas tendinosas até ao secreto interior.
Um coração a falir é a morte. “A máquina parou, / deixou de tocar”, como diz a canção? Então, estás tramado. Como viver, então, com um coração novo? E como abandonar assim tão levianamente – tão tolos, os apaixonados! – o seu velho coração? Adoptaste um novo coração, como quem foi transplantado. Mas viver com o coração que agora te dá vida não é solução para todos os teus problemas. Pensas que é a única forma de sobreviveres aos danos colaterais. Deste o teu coração em troca desse que trazes. Talvez estejas errado, talvez devesses apenas partilhar o teu coração, não trocá-lo, não entregá-lo. Não irão repetir-se os sintomas? Não haverá, igualmente, batimentos irregulares, válvulas que bloqueiam, sangue a correr nas veias tão velozmente como um rio em fúria? Não haverá fugas?
Os seres apaixonados não pensam em nada disso quando entregam os corações. Para os amantes, só as ausências contam. Sofrem como quem os mata. E, aí, eles acham que o seu coração não vai aguentar, que está a falir. Não se lembram, os pobres, que o tempo é tão mais físico do que psicológico, e que mesmo o início da escuridão é já quase manhã. Porque eles não sabem que no movimento de translação da Terra, naquela loucura do tempo em rotação em torno do Sol, se faz a sucessão dos dias e das noites, e, enquanto parte dos sítios estão já iluminados por uma luz de aurora, outros estão ainda mergulhados na penumbra. Eles não pensam nisso, só pensam na ausência, e nem se lembram que, por todo o lado, com mais ou menos variações, mais ou menos intensidade, se multiplicam outros seres apaixonados. E dando-se o caso de Sol, Terra e Lua se verem perfeitamente alinhados, ocorre um eclipse igual aos que ocorrem nos seus corações. E provoca cegueira, porque retira a luz necessária à visão. Será o Universo perfeito, em oposição às múltiplas imperfeições humanas? Somos tão pequeninos: pontos indecifráveis no Universo. Mas os seres apaixonados sentem-se únicos, fortes e com grande visibilidade. O ser apaixonado quer mostrar ao mundo que ama e é amado, por isso sente-se um ser superior.
Mas também há muita energia negativa em torno de um ser apaixonado, porque é tão diminuída a sua visão, tão reduzida a sua capacidade de perceber o que o rodeia. Se entras num buraco negro, dificilmente voltarás a sair. Nos buracos negros, a energia é antigravitacional, e repele o tecido espácio-temporal, numa distorção de cordas cósmicas, a criar anéis do tempo que te arredondam os sentidos em torno de ti mesmo, do que sentes em relação ao amor e ao muito ou pouco que o amor te dá. Deixas-te influenciar por essas finas correntes de energia, pedaços de vácuo. Mas, em momento algum, te preocupas com as leis da Mecânica Quântica, ou as leis da Física. O que existe à tua volta é tão mais rico do que tu podes observar: duas partículas perdidas no Universo, separadas por longas distâncias ou anos-luz, afectam-se mutuamente, atraídas pelo coração de um átomo, porque constituem um único sistema, como no amor. Há uma calibragem perfeita numa atração, uma forma cósmica de comunicar, por meio de sensos e telepatias.
É esta a incurável doença do amor.