Carla Guimarães Cardoso
Mais do que ouvir precisamos de comunicar. A capacidade de comunicar de forma eficaz usando a linguagem falada assenta em inúmeros processos que vão desde perceber com precisão a mensagem do emissor a conseguir comunicar de forma inteligível os nossos pensamentos usando ferramentas apropriadas no contexto do discurso.
Cada componente da cadeia de comunicação oral do ser humano pode ser desmontado em várias subunidades periciais.
No caso da compreensão da linguagem falada são necessários diferentes patamares de processamento da informação auditiva de forma a percebermos a mensagem.
O estudo deste processo é dividido em três fases:
– a fase sensorial, quando o estímulo sonoro é detectado e transformado num sinal elétrico.
– a fase perceptual, em que o sinal é transformado num código neural. Esta actividade neural é exclusiva do estímulo auditivo e daí poder ser diferenciada de outros estímulos que também desencadeiam uma actividade neural. Contudo, em si a actividade não tem significado semântico.
– é na última fase, fase representativa que é feita a interpretação semântica do estímulo sonoro. Ou seja, primeiro temos de detectar que se trata de uma comunicação oral para depois discriminarmos os diferentes sons dessa comunicação e finalmente atribuir-lhes significado.
Às últimas fases chamamos processamento auditivo central. Ele permite preservar, refinar, analisar, modificar, organizar e interpretar informação com origem no sistema auditivo periférico.
Para que tais tarefas sejam possíveis são necessárias várias ferramentas: a discriminação auditiva, o processamento temporal e o processamento biaural (localização e lateralização sonoras).
Estas ferramentas podem falhar e aí temos um défice do processamento auditivo central. Isto pode ocorrer na criança ou no adulto e pode manifestar-se como uma:
– dificuldade em perceber a linguagem falada em ambientes ruidosos ou com várias pessoas a falar ao mesmo tempo;
– necessidade de pedir várias vezes para repetir;
– respostas ao discurso inconsistentes ou inapropriadas;
– dificuldade em compreender e seguir um discurso rápido;
– dificuldade em seguir comandos ou direcções complexas transmitidas oralmente;
– dificuldade em aprender canções ou lenga-lengas;
– dificuldade em aprender uma língua nova.
Estes são alguns exemplos cuja incidência varia consoante o grupo etário.
Estes exemplos não são exclusivos das alterações do processamento auditivo central (APAC). E as APAC podem acompanhar outras patologias.
Quando estes doentes são sujeitos a uma avaliação auditiva (audiometria) vão apresentar limiares auditivos dentro do normal. Isto é, ouvem bem uma vez que o problema é o processamento do estímulo auditivo.
As causas são variadas. Na criança a mais frequente é a privação auditiva secundaria a patologia do ouvido médio como otites médias agudas recorrentes ou otites serosas crónicas enquanto que no adulto são as doenças neurológicas e as alterações do funcionamento do processamento auditivo relacionado com a idade.
O diagnóstico e tratamento são necessários quando a sintomatologia interfere com a qualidade de vida do doente.
O objectivo do tratamento é proporcionar ao doente a capacidade de comunicar de forma mais efectiva no contexto do seu dia a dia. O tratamento é interdisciplinar com a intervenção do otorrinolaringologista, do audiologista e da terapeuta da fala.