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O DIA MUNDIAL DO LIVRO E O 25 DE ABRIL

Hoje é o dia mundial do livro. Daqui a dois dias comemoram -se os 45 anos do 25 de Abril.
Não sei, ainda,  exactamente, que relação estabelecer entre as duas comemorações; mas uma conclusão posso, desde já extrair do tempo em que vivemos : a importância do livro e da leitura tem vindo a decrescer e os felizes augúrios que a madrugada de Abril trouxe aos portugueses assumiram, aos poucos, uma pálida figura.
Quando falo de livros tenho em mente folhas de papel numeradas, unidas umas às outras,  uma capa, um título e um conteúdo escrito. E um autor, claro. Quando falo de leitura , penso em pessoas debruçadas sobre as páginas, penso em concentração,  penso em deleite.
Qualquer superfície comercial tem um espaço de livraria. Às vezes, detenho-me a examinar os volumes, as capas, os títulos, leio uma ou outra frase e fico surpresa.
Os escritores proliferam, sem dúvida; mas o produto é mau, invariavelmente. Se a oferta literária, acessível ao grande público, é, essencialmente, aquela, eu diria que é preferível não haver leitores . Acontece que existem clientes para aquele género de livros: porque eles constituem um género, sem dúvida.
Há livros de auto -ajuda com títulos sugestivos e subtítulos auspiciosos do género: “O poder está dentro de ti – Regras para ser feliz”; livros autobiográficos de personagens mais ou menos famosas, com a fotografia na capa e um título assim: ” Conto a minha vida como exemplo de superação ” ; livros de poesia, chamados  “Lágrimas ao crepúsculo “,  ou “Sonhos de luar”, onde as metáforas frouxas corrompem cada verso; livros de nutrição, “Emagreça comendo bem – um plano de vida “; romances lamechas plenos de lugares comuns, com finais felizes ou trágicos desfechos , do género “Sobrevivi ao destino “; livros de culinária com pudins, bolos, receitas vegetarianas  etc. e até livros eróticos, com vislumbres de pornografia, intitulados “Apenas tu e a noite ” ou “Levo-te comigo ao paraíso “.
Depois há autores que usam pseudónimos e se disfarçam, usando como fotografia uma imagem mascarada; outros que declaram ser, enquanto pseudónimos, muito superiores ao original.
Claro que inventei os títulos com que exempifiquei: não os procurem , portanto. Mas o que pretendi fazer realçar foi o modo pungente como, em pouco tempo, uma certa estirpe de escrevinhadores tomou conta das bancas dos supermercados e até das montras das livrarias.
É esta realidade pseudo-literária que homenageamos hoje, dia  mundial do livro? Ou será que ousamos ir mais fundo e dar presença aos clássicos e intemporais, do passado mais longínquo ou deste nosso tempo que também já construiu os seus clássicos?
45 anos nos separam de uma época obscura da História de Portugal. E  todo aquele que ousa criticar o presente, evocando uma lenda, cuja crueza não conheceu de facto, para dizer que Portugal estava melhor antigamente , não percebeu a semente da mudança atirada à terra naquele dia de Abril.
Efectivamente, foi todo um mundo que se rasgou perante os olhos de quem esteve atento. Foi um jorro de luz prodigioso lançado sobre os matizes cinzentos de uma bruma obnubiladora. Foi uma estrada infindável que todo aquele que sabia andar se apressou a percorrer.
Porém, as gerações foram – se alternando em quatro décadas e meia, o hábito, e depois o esquecimento, lançaram outras trevas sobre as cascatas luminosas daquela Primavera. E hoje o 25 de Abril é apenas mais um feriado a que poucos dão a importância legítima; exactamente como ao livro.
São, por isso, duas celebrações justas, sem dúvida, mas empanadas pela mediocridade que acometeu esta gente que nós somos e não tem sabido  estar à altura.
Falo de nós, portugueses, mas sei perfeitamente que o problema alastra de um modo global. A humanidade está a decair e o sinal é este conformismo atroz perante obreiros medíocres de uma cultura que não quer resistir. O sinal é o deleite das massas perante símbolos fanados ou ocos e o desprezo por tudo aquilo que, por requerer esforço,  se tornou demasiado longínquo. O sinal é o esvaziamento progressivo do sentido dos acontecimentos e da necessidade de os trazer ritualisticamente ao presente.
Vou render homenagem a um escritor português das novas gerações, Afonso Cruz, e citar dois títulos : “A boneca de Kokoschca” e “Nem todas as baleias voam”; vou recuperar José Saramago e apontar dois nomes dos seus livros : “Ensaio sobre a Cegueira ” e “Ensaio sobre a Lucidez “; vou reerguer Fernando Pessoa e a sua obra completa.
E depois vou entoar baixinho,  hoje, só de mim para  mim mesma, a canção-ícone de Zeca Afonso, “Grândola Vila Morena”.

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