Paulo Morais
Médico, especialista em Dermatologia e Venereologia
Grupo Trofa Saúde/Hospital Privado de Alfena (Valongo), Fisioskin (Porto), Excelis Saúde (Lamego), Ponte Saúde (Amarante)
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O que é?
O eczema atópico (EA), ou dermatite atópica, é uma doença inflamatória crónica da pele, não contagiosa e que cursa por períodos de exacerbação (crises ou surtos) e de acalmia (remissão). Associa-se a grande impacto na qualidade de vida dos doentes e familiares/cuidadores, com repercussões psicoemocionais, financeiras e sociais.
O termo “atópico” refere-se um grupo de doenças associadas a um aumento da componente alérgica do sistema imunitário, que inclui a asma, a rinite (ou rinoconjuntivite) alérgica e o eczema atópico. Atopia não é sinónimo de alergia, descreve, isso sim, uma predisposição ou tendência para desenvolver certas reações de hipersensibilidade alérgica.
Quem é afetado?
Embora possa aparecer em qualquer idade, o EA é mais frequente na idade pediátrica, surgindo habitualmente no primeiro ano de vida. No entanto, pode persistir ou surgir na idade adulta. Afeta cerca de 20% das crianças assim como 2-5% dos adultos a nível mundial. Afeta homens e mulheres de igual forma, parecendo ser mais comum em indivíduos de descendência afro-caribenha.
Porque surge?
O EA éuma doença complexa, multifatorial e não completamente esclarecida, que resulta da interação de fatores genéticos, ambientais, alterações do sistema imunitário e deficiência da barreira cutânea. Sabe-se que tem uma componente hereditária muito importante, o que significa que a história parental (sobretudo materna) de eczema, asma ou rinite alérgica se associa a maior probabilidade de EA.
Crianças com EA têm maior risco de desenvolverem outras doenças alérgicas como asma, rinite e alergia a alergénios ambientais e alimentares. Esta evolução clínica parece ocorrer em cerca de um terço das crianças com EA e é conhecida por “marcha atópica”. O eczema é, na maioria dos casos, a primeira manifestação de predisposição atópica.
Mutações no gene da filagrina (FLG), uma proteína importante para manter a integridade da pele como barreira, poderá estar diretamente associada ao desenvolvimento do eczema em muitos doentes.
O defeito na barreira cutânea favorece a perda de água transepidérmica e a penetração de agentes externos (p. ex.: alergénios e irritantes), que podem desencadear surtos de EA, e torna a pele muito mais susceptível a infeções e a irritações.
Como se manifesta?
O principal sintoma é o prurido (comichão), o qual pode interferir com a qualidade do sono, originar irritabilidade, cansaço e ter grande impacto familiar e na produtividade escolar ou laboral. Tratando-se de uma doença recidivante, apresenta períodos de agravamento (associados, ou não, a fatores desencadeantes) e de melhoria.
As lesões de eczema variam de distribuição e caraterísticas (fenótipo) de acordo com a idade e com a evolução da doença. Assim, até aos 2 anos de idade as lesões podem atingir qualquer local do tegumento, mas distribuem-se preferencialmente pela face (áreas convexas), couro cabeludo e áreas extensoras dos membros. A partir dos 2 anos de idade (segunda infância) as lesões tendem a envolver as zonas flexoras (pregas/dobras) dos membros, nomeadamente os pulsos, as pregas antecubitais e poplíteas, bem como o pescoço e os flancos. Nos adolescentes e adultos o quadro clínico é similar ao da segunda infância, com atingimento preferencial das pregas flexoras, sendo também comum o envolvimento das mãos, pés, pálpebras, genitais e, nas mulheres, dos mamilos.
A pele com eczema apresenta-se habitualmente vermelha (eritematosa), seca (xerótica), descamativa e com estigmas de coceira. Em fase aguda (crise/exacerbação), o eczema provoca prurido e adquire um aspeto húmido, vesicular, exsudativo e por vezes com erosões e crostas. As lesões crónicas e repetidamente coçadas apresentam liquenificadas (pele seca e espessada). Ocasionalmente, as áreas afetadas podem ficar hipo ou hiperpigmentadas, ou seja, mais claras ou mais escuras, respetivamente.
O que pode fazer exacerbar a doença? O EA pode ser agravado pelo calor, transpiração, ambientes secos e com baixa humidade, pó, tecidos abrasivos ou não-respiráveis (ex.: lã e têxteis sintéticos), pelo de animais, contacto com agentes irritantes como sabonete ou detergentes (muitas vezes rotulados de “biológicos”), infeções bacterianas ou víricas, secura (xerose) cutânea, nascimento dos dentes nos bebés, alergénios alimentares, stress e ansiedade.
Qual a evolução e prognóstico? O EA não tem cura no sentido estrito da palavra, mas pode ser controlado adequadamente. Em aproximadamente 60-70% dos casos a doença desaparece pela adolescência, apesar da maioria das pessoas continuar a ter a pele seca e a necessitar de manter a evicção de agentes irritantes. Teoricamente os doentes afetados podem efetuar natação e participar em outras atividades desportivas, embora possam ter de fazer algumas adaptações.
Como se trata? As opções de tratamento dependem da gravidade da doença, idade do doente, localização das lesões, resposta prévia aos tratamentos, capacidade de adesão ao tratamento, opções do doente, disponibilidade financeira e comorbilidades associadas. As principais linhas de tratamento incluem:
- Tratamentos tópicos (de aplicação sobre a superfície da pele):
- Emolientes (hidratantes). São essenciais no tratamento de todos os doentes com EA. Devem ser aplicados diariamente para evitar a perda transepidérmica de água e ajudar a manter a integridade e função barreira da camada exterior da pele. Quanto mais seca estiver a pele, mais frequentemente deverá aplicar o hidratante.
- Corticóides. São a base do tratamento do EA. Quando utilizados adequadamente são muito eficazes e seguros na redução da vermelhidão e da comichão do eczema em fase ativa. O tipo, potência, duração e apresentação do corticóide devem ser adequados ao local, extensão e aspeto da dermatose. Devem ser aplicados uma vez por dia, na forma de creme nas lesões agudas, exsudativas, e em pomada nas lesões liquenificadas, até franca melhoria ou resolução das lesões.
- Inibidores da calcineurina (tacrolimus e pimecrolimus). Podem ser utilizados quando o eczema não responde aos corticóides tópicos ou em zonas mais suscetíveis aos efeitos secundários destes, como o rosto, as pálpebras, as axilas e as virilhas. Para alguns doentes que sofrem de agudizações frequentes, pode ser útil um regime de manutenção intermitente de um corticóide tópico ou inibidor da calcineurina para reduzir o número de crises.
- Antibióticos e antisséticos. Se houver sinais de infeção (eczema húmido, com líquido e crostas).
- Tratamentos orais (em doentes com EA grave ou generalizado que não respondam ao tratamento tópico):
- Corticóides orais. São ocasionalmente utilizados nos episódios agudos e exuberantes de eczema; devem ser usados por curtos períodos de tempo devido ao risco de efeitos secundários.
- Outros imunossupressores (azatioprina, ciclosporina, metotrexato, micofenolato de mofetil)
- Anti-histamínicos. Podem ser benéficos em alguns doentes; os que provocam sono (sedativos), como a hidroxizina e o dimetindeno, são os mais úteis, sendo geralmente administrados à noite para reduzir as perturbações durante o sono. Não têm qualquer efeito sobre a inflamação do eczema.
- Antibióticos orais (de eleição: cefalosporinas de 1ª geração ou penicilinas resistentes às penicilinases). Úteis no caso de sobreinfecção bacteriana, quase sempre a Staphylococcus aureus.
- Não existe evidência que óleos de peixe, óleo de borragem ou outros, bem como suplementos vitamínicos ou minerais tenham qualquer eficácia terapêutica no EA. Pela falta de evidência de eficácia ou efeitos adversos não se recomendam cremes “naturais” à base de ervas, que por vezes podem conter corticóides fortes, comprimidos de óleo de onagra e a homeopatia
- Fototerapia (luz ultravioleta). Útil para algumas pessoas com EA extenso, sendo efetuado geralmente num serviço hospitalar (ou em algumas instituições privados que dispõem de cabine de fototerapia) sob a supervisão de um dermatologista.
- Novos tratamentos. Com a melhor compreensão dos mecanismos imunológicos e inflamatórios subjacentes ao EA e a revolução terapêutica no campo da Imunologia (com efeitos práticos, por exemplo, na psoríase), podemos perspetivar o aparecimento de tratamentos novos, mais eficazes e mais seguros. Alguns deles já se encontram disponíveis entre nós para utilização em casos selecionados e com autorização especial, outros encontram-se em fase de introdução no mercado ou em investigação.
- O dupilumab é um anticorpo monoclonal humano que atua especificamente na inibição de duas proteínas essenciais, IL-4 e IL-13, consideradas importantes na inflamação persistente subjacente ao EA, e outras doenças alérgicas ou atópicas. Tem aprovação subpopulação de doentes com EA moderado a grave com resposta inadequada ou não elegíveis para imunossupressores sistémicos. Autorizado pelo Infarmed ao abrigo de Programa de Acesso Precoce para 100 doentes que cumpram os critérios eleição.
- A pomada de crisaborol a 2% é um medicamento tópico não esteróide, inibidor tópico da 4-fosfodiesterase, aprovado pela Food and Drug Administration (FDA) dos EUA, em dezembro de 2016, para crianças com idade superior a dois anos com DA ligeira a moderada. Ainda não se encontra disponíveis em Portugal.
Dicas e recomendações gerais:
- Hidrate a pele regularmente (pelo menos, 1-2x/dia) e sempre após o banho. Deve utilizar um emoliente oleoso, sem perfume e bem tolerado, específico para pele atópica. Esta é a parte mais importante do cuidado diário da sua pele. No entanto, o emoliente pode causar algum ardor se aplicado em pele inflamada.
- Manter os hidratantes no frigorífico, deixando-os frios, pode ajudar a aliviar a comichão.
- Os banhos podem ser diários desde que sejam utilizados produtos lavantes com ação emoliente, adequados à pele atópica.
- Os produtos de higiene utilizados podem ser em pain (sabonete sem agentes detergentes), syndets (synthetic detergents), óleo ou gel, de acordo com a preferência do indivíduo.
- O banho deve ser na forma de duche, com água tépida (< 32°) e rápido (5-10min).
- Evite esponjas ásperas ou escovas de massagem na banheira.
- O corpo deve ser seco com pequenas pancadas, sem esfregar, para não estimular o prurido.
- Use roupa confortável, idealmente de algodão de cor clara, e evite usar lã e nylon diretamente em contacto com a pele.
- Lavar as roupas novas antes de usá-las para remover corantes irritantes e acabamentos de tecido.
- Use luvas para proteger as mãos se estas estiverem em contacto com agentes irritantes (ex.: tarefas domésticas).
- Tente resistir à tentação de se coçar. Amacie a pele com comichão com um hidratante ou produtos específicos para o prurido.
- Usar luvas de algodão à noite para evitar o ato de coçar durante o sono.
- Não tenha animais de estimação aos quais seja alérgico.
- Mantenha-se fresco e evite o sobreaquecimento pois o calor e a transpiração podem agravar a comichão.
- A exposição solar regrada pode ajudar a melhorar os sintomas.
- Ir de férias para climas moderados – não muito quente, nem muito frio.
- Evite o contacto próximo com pessoas com herpes ativo, uma vez que os doentes com EA correm mais risco de contrair uma infeção generalizada por herpes denominada eczema herpético ou erupção variceliforme de Kaposi.
- Os corticóides devem ser utilizados com bom senso e de forma correta; no entanto, deve ser evitada a fobia aos mesmos, já que são a base do tratamento farmacológico do eczema.
- Trate os surtos de eczema de imediato, já que quanto mais grave este se tornar, mais difícil será controlá-lo.
- Cumpra rigorosamente as recomendações e o tratamento prescrito pelo seu dermatologista!
Conclusão
O EA é uma doença complexa e multifatorial, cujos fatores e causas desencadeantes ainda não estão totalmente elucidados. Há uma necessidade ainda não colmatada de novas abordagens terapêuticas mais específicas, seguras, bem toleradas, custo-efetivas e que permitam um controlo prolongado do EA, reduzam o prurido e melhorem a qualidade de vida dos indivíduos que padecem desta dermatose e dos familiares dos doentes afetados.