Cidadania e Sociedade

EM DEMOCRACIA

Democracia. Uma palavra muito antiga .
O termo deriva  do grego clássico,  δημοκρατία (dēmokratía ou “governo do povo”), que foi criado a partir de δῆμος (demos ou “povo”) e κράτος (kratos ou “poder”) no século V a.C., para denotar os sistemas políticos então existentes em cidades-Estado gregas, principalmente Atenas; o termo é um antónimo para ἀριστοκρατία (aristokratia ou “regime de uma aristocracia” como o seu nome indica). Embora, teoricamente, estas definições sejam opostas, na prática, a distinção entre elas foi obscurecida, historicamente. No sistema político da Atenas Clássica, por exemplo, a cidadania democrática abrangia apenas homens, filhos de pai e mãe atenienses, livres e maiores de 21 anos, enquanto estrangeiros, escravos e mulheres eram grupos excluídos da participação política. Em, praticamente, todos os governos democráticos em toda a história antiga e moderna, a cidadania democrática valia apenas para uma elite de pessoas, até que a emancipação completa foi conquistada para todos os cidadãos adultos na maioria das democracias modernas, através de movimentos por sufrágio universal, durante os séculos XIX e XX.
O sistema democrático contrasta com outras formas de governo em que o poder é detido por uma pessoa — como  em uma monarquia absoluta — ou em que o poder é mantido por um pequeno número de indivíduos — como em uma oligarquia. No entanto, essas oposições, herdadas da filosofia grega, são agora ambíguas porque os governos contemporâneos têm misturado elementos democráticos, oligárquicos e monárquicos nos seus sistemas políticos. Karl Popper definiu a democracia, em contraste com a ditadura ou a tirania, privilegiando, assim, oportunidades para as pessoas de controlar os seus líderes e de tirá-los do cargo sem a necessidade de uma revolução.
Controlar os seus líderes : eis o segredo que, aparentemente, a democracia tem escondido dos cidadãos democratas que insistem em não compreender que a sua função social não se limita a comparecer no dia das eleições, para votar. É um acto cívico importante, sem dúvida,  mas de modo nenhum esgota a responsabilidade do cidadão.
Aristóteles definiu o homem dizendo que ele é “um animal político ” . Ora, atendendo à etimologia , e sabendo que polis  (πόλις em grego) significa “cidade”  , o político é, exactamente, o cidadão. Em democracia, portanto,  revela – se o carácter activo e participante de todos os homens, visto todos serem, eminentemente,  políticos.
Diversas variantes de democracias existem no mundo, mas há duas formas básicas, sendo que ambas dizem respeito a como o corpo inteiro de todos os cidadãos elegíveis executam a sua vontade. Uma das formas de democracia é a democracia directa, em que todos os cidadãos elegíveis têm participação directa e activa na tomada de decisões do governo. Na maioria das democracias modernas, todo o corpo de cidadãos elegíveis permanece com o poder soberano, mas o poder político é exercido indirectamente por meio de representantes eleitos, o que é chamado de democracia representativa. O conceito de democracia representativa surgiu, em grande parte, a partir de ideias e instituições que se desenvolveram durante períodos históricos como a Idade Média europeia, a Reforma Protestante, o Iluminismo e as revoluções Americana e Francesa.
Vivemos num tempo de democracia indirecta, elegemos, por isso, representantes, que, individual e colectivamente, em assembleia,  tomam decisões . Mas somos nós,  os cidadãos, que lhes permitimos exercerem essa função.  Representando – nos,  reitero.
Popper afirma que a democracia permite  às pessoas controlar os seus líderes e tirá-los do cargo sem a necessidade de uma revolução. Ora, para que tal controlo possa ser efectivado é necessário, acima de tudo, uma participação efectiva de todos os cidadãos.
Sendo assim, nenhum cidadão de um país democrático deve abdicar do seu poder, sob pena de permitir a uma minoria – os políticos – que tome decisões, aprove leis e decretos, e tudo o que a Constituição permite (ou mesmo à revelia dela). Chama – se a esta tomada de posição ou à sua ausência total, ignorância. Continuo a ouvir as pessoas dizerem que não percebem ou não se interessam pela política;  e continuo a ouvir queixas acerca dos que as governam (com a sua autorização, mas sem a sua vigilância) dizendo que eles são corruptos, ladrões, abusadores do poder. ..em suma, uns canalhas!
Pois bem: se o cidadão continuar desinteressado e na ignorância, demitindo -se do controlo que a democracia possibilita, vai continuar também  a ser governado por esses que, à sua custa, praticam a corrupção e o abuso. E a culpa será , inteiramente, dele.
Tudo isto que escrevo parece-me, por demais, óbvio num tempo marcado pela existência de um grande acervo de informação e num país onde a democracia celebrou, há pouco, 45 anos. Os cidadãos,  jovens e menos jovens, têm acesso a inúmeras plataformas de conhecimento e sabem como usá -las quando tal lhes parece ser do seu interesse. Por que razão insistem em fazer tábua rasa dos meios de informação  num domínio fulcral para os restantes aspectos da sua existência? Por que razão continuam a encolher os ombros, dizendo que não se interessam por política ou a vociferar quando um escândalo de corrupção é trazido para a praça pública?
Dir-me-ão que não sabem como controlar os líderes, ou seja, os representantes nos quais delegam as diversas funções de carácter governativo nesta democracia representativa que é a nossa.
No acto de eleger, pelo voto, o cidadão que vai às urnas tem obrigação,  de si para si mesmo e perante o todo de que faz parte, de conhecer as pessoas que irão representá -lo. Já que ele próprio não pode exercer de modo directo os múltiplos cargos que a complexidade social exige, precisa de saber, rigorosamente, quem são as pessoas a quem dá o direito de decidirem por si. Nunca poderá escolher com acerto no desconhecimento deste importante requisito. E eu sei que os meios de obter informações, quer em primeira mão, quer de forma indirecta, estão disponíveis e ao alcance de todos.
Vejo que os portugueses sabem muito de futebol, por exemplo. Conhecem o nome e a vida privada dos jogadores,  dos treinadores e dos árbitros, são capazes de avaliar – lhes o trabalho e criticar quando é preciso, têm uma noção perfeita dos mecanismos do jogo, em si, dos campeonatos,  das taças, etc. Conseguem discutir os lances, comparar equipas e tomar partido. Sabem quando o resultado é viciado ou quando deve ser substituído o treinador. Logo, não perceber nada de política e não ser capaz de se movimentar no contexto democrático resultam não de estupidez ou de falta de capacidade de análise, deste modo eficazes quando o futebol é o tema,  mas de um profundo desleixo e de uma entrega irresponsável da sua vida nas mãos de quem não conhece. Acaso entregariam a chave da sua casa e o seu controlo, ou o número da sua conta bancária e os códigos do respectivo acesso à  primeira pessoa que encontrassem na rua?
Ora, permitir ser governado por um conjunto de desconhecidos que ainda por cima são apelidados de ladrões e de corruptos é o cúmulo da insensatez.
Reverter esta situação passará por aplicar aos instrumentos da democracia, ao seu funcionamento e aos seus actores a mesma perspicácia e rigor que os cidadãos usam quando debatem futebol, por exemplo.

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