Rui Canossa
Já viu algum filme onde tudo parece idílico e as cenas com animais fofinhos por todo o lado, unicórnios e cavalos com longas crinas se passeiam por entre arco-íris de cores variadas? E onde os protagonistas são tão perfeitos e feitos uns para os outros?
Aposto que facilmente veria Portugal, não era? Um país onde as finanças públicas apresentam um saldo nulo, com um rigor orçamental fantástico, com a dívida pública em percentagem do PIB a descer. E por falar no PIB esse cresce mais do que os países mais desenvolvidos da Zona Euro e a provar que tudo está tão bem é que os juros da dívida estão tão historicamente baixos e há muito que não se comportavam assim. E o desemprego baixo na ordem dos 7%. Onde se apregoa que devolveram rendimento aos habitantes. Que triunfo da solução governativa à qual chamaram carinhosamente e cinematicamente de “a geringonça”, onde diferentemente de outros filmes, quem ganha eleições não tem de governar. Que triunfo da democracia.
O problema é que o primeiro plano do filme pode ter um enredo complicado e, em segundo plano, numa espécie de dark side ou, se quiserem, numa realidade paralela, tipo matrix, se esconde uma outra realidade. Nessa realidade, existe um povo com baixa literacia económica e financeira, que desconhece, que por detrás deste mundo perfeito, desde 2005, o PIB per capita em unidades de poder de compra, se degradou no conjunto dos 28 países. Quer isto dizer que países como a Republica Checa, Polónia, Lituânia, Letónia, Eslováquia, Eslovénia, Irlanda se tornaram mais ricos do que Portugal, com um poder de compra maior ou semelhante ao nosso.
E a dívida, essa bateu recordes, mas vai baixar em percentagem do PIB, garantem a quem os quiserem ouvir. Pode até ser, se o ciclo económico continuar a ser favorável. A receita fiscal aumenta, porque há crescimento económico, oh gentes da minha terra e porque o aumento do emprego aumenta a receita da Segurança Social baixando a despesa social do Estado com os subsídios de desemprego. A política monetária expansionista do Banco Central Europeu, que tem mantido os juros artificialmente baixos para fomentar o crescimento económico e comprando dívida dos países. E quando o ciclo inverter, como sempre muda, que impactos vai ter no lado da receita e da despesa? Numa despesa que não se sente, pelo menos nos hospitais portugueses, nos transportes, no investimento, antes pelo contrário, devido à contenção e à complacência dos habitantes desse país tão lindo. Habitantes que sabem que pagam a maior carga fiscal desde 1995, mas não sabem que dispararam os impostos indiretos sobre o consumo. Onde, em cada euro de gasóleo que compram, 55 cêntimos é para pagar ao Estado e o barril de petróleo está a metade do preço de há uns anos. Mas, está tudo bem porque os senhores, que dizem que são pelo povo, dizem que está tudo bem.
Agora falta o final feliz do filme. Este não é um daqueles filmes que tenha um final. Mas vai ter uma sequela. A próxima saga vai-se chamar: “Queremos a maioria absoluta”, ou em inglês, que era mais pomposo e fofo: “Absolute Majority”, com António Costa como protagonista. A ver vamos.