Raquel Evangelina
Encontrei-o uma vez no stand da FNAC na Feira do Livro do Porto, em 2012. A hora em que ele fazia a sua apresentação já tinha começado e eu dei voltas à feira sem sucesso. Quando estava para desistir vem um homem apressado contra mim. Mentalmente lancei um impropério “Vê por onde andas!” até que reparei que a pessoa apressada era mesmo o escritor. Eu tinha na mão uma obra dele intitulada “Encontros Marcados”. Digam lá que a vida não é irónica?
Recentemente adquiri mais um livro seu “Nos passos de Santo António” no qual o autor faz o mesmo percurso que o Santo fez durante a sua curta vida em peregrinação. Quanto à minha humilde opinião o que tenho a dizer é que o Gonçalo continua com a sua escrita simples e de fácil acesso de uma forma despretensiosa a que já nos habituou. Consegue transmitir noções históricas e culturais, assim como informações relativamente aos monumentos, de uma forma acessível sem nos maçar com pormenores que só interessam aos estudiosos da área. Descreve o que vai vendo e o que vai sentindo como, por exemplo, o sentimento de insegurança que o assolou quando se encontrava em território perigoso. E o facto de assim ser faz com que se ganhe maior afeição pelo autor, afinal é tão humano como nós, tem medos e inseguranças. Essa transmissão faz-nos viver ainda mais de perto a viagem. Experienciar como se estivéssemos ao seu lado na jornada.
Aproveitando o pretexto de ter lido a obra por estes dias entrei em contacto com o autor para ver se me respondia a algumas questões para colocar na crónica de hoje. Ele acedeu. Aqui ficam:

R.E. O Gonçalo referiu, uma altura em entrevista, um acampamento que descreve no livro “Encontros Marcados” como o início da sua vida como viajante. E como escritor? O dom para a escrita também vem desde aí?
G.C. Não sei se é um dom, é certamente uma ferramenta que a necessidade me obrigou a saber usar. Percebi que conseguia financiar o meu desejo adolescente de viajar vendendo reportagens sobre as viagens. Quando fui entrando na idade adulta e tive a possibilidade de fazer da escrita de viagens a minha vida, a minha profissão, não hesitei muito. Era isso ou o fato e a gravata e picar o ponto num escritório (risos). Depois com os anos fui afinando a técnica da escrita segundo os modelos literários que gostava e os autores que admirava. Dito isto, é verdade que sempre tive boas notas na disciplina de Português, apesar de ter seguido Gestão de Empresas.
R.E. Falando ainda da juventude. Se em miúdo lhe dissessem que iria “ganhar a vida” a ver meio mundo e a escrever sobre ele, acreditava?
G.C. Não, não acreditava pela simples razão que não iria conseguir entender o que me estavam a dizer. Simplesmente não era possível abarcar o conceito. Cresci nos anos setenta e oitenta num país que ainda tinha uma concepção muito rígida, muito formatada das saídas profissionais. Não existia a profissão “escritor de viagens”. E a verdade é que também não existia outro conceito, o de viajante. As pessoas poderiam no máximo entender umas férias de 15 dias em Agosto em Paris ou Veneza, coisas assim. Isso era a definição de viajar. Agora, alguém andar a viajar regularmente pelo ano fora, com uma mochila às costas e escrever sobre isso e ser pago para isso e ter um vasto público interessado em seguir a viagem nas páginas de um livro, isso era ficção científica.
R.E. Qual foi o local (se é que consegue escolher apenas um) que mais o marcou? Independentemente de ser pela negativa ou positiva.
G.C. Não consigo escolher um apenas, e de facto o meu livro mais recente, o “Esplendor do Mundo”, apresenta uma lista de 99 lugares que mais me marcaram. E o livro fica pelos 99 precisamente para deixar bem claro que a lista não termina, isto é, numa cultura decimal como é a nossa, o dez ou o cem representam um ponto de chegada. Um 9 ou um noventa e nove representam algo incompleto. Se calhar daqui a uns anos publico o volume dois do “Esplendor do Mundo” com outros noventa e nove lugares que me marcaram (risos).
R.E. O que mais me agrada na sua escrita é que transmite as emoções e descreve os lugares de uma forma clara e despretensiosa que nos faz sentir que o acompanhamos na jornada. Qual é a parte mais difícil da escrita para si? As ideias surgem naturalmente?
G.C. A parte mais fácil é a ideia, pois a viajar acontecem tantas coisas que não faltam fontes de inspiração. A parte mais difícil é materializar a ideia numa escrita corrida, suave, directa e eficaz. E também que seja uma escrita coerente com o que o meu leitor espera encontrar e está habituado a encontrar num texto meu.
R.E. Voltando às viagens. Hoje em dia o Mundo é fácil como o título da sua obra. Mas o facto de as pessoas viajarem para todo o lado e tirarem fotos para postar nas redes sociais sem sequer prestar grande atenção ao meio em que estão inseridas nem ao que estão a visitar não banaliza um pouco o ato? Ou seja, na sua opinião, o fácil acesso das viagens não está a tirar a mística ás mesmas?
G.C. Sim, está. Temos que nos habituar à ideia que cada vez será mais banal viajar e que cada vez terá menos valor,menos procura a escrita de viagens. Os autores do futuro terão que “subir a parada” para conseguir impressionar, conseguir ser original. Tipo, dar a volta ao Polo Sul a pé-coxinho, ou atravessar a dorso de burro a Quinta Avenida, coisas assim, para dar sentido à viagem (risos).
R.E. O que se encontra a ler neste momento?
G.C. “L’Infinito tra le Note”, de Riccardo Muti. Um livro de memórias sobre a relação do maestro com a orquestra em particular, e sobre a genial vocação reconhecida a Riccardo Muti para interpreter Verdi e Mozart.
R.E. Qual o melhor conselho para quem se vai aventurar no desconhecido?
G.C. Levar o manual de instruções “O Mundo É Fácil – Aprenda a viajar com Gonçalo Cadilhe” (risos)