Joana Benzinho
Este domingo celebrou-se o Dia Mundial do Chimpanzé, um primata cada vez menos presente no continente africano. Segundo dados da Fundação Jane Goodall, se há 10 anos se contabilizavam cerca de 2 milhões, África tem agora apenas cerca de 250 000 chimpanzés. Números impressionantes e que nos devem preocupar.
Felizmente, alguns destes chimpanzés podem ainda ser avistados na Floresta do Parque Nacional de Cantanhez, no sul da Guiné-Bissau.
Aqui também têm sido ameaçados nos últimos anos, com fenómenos como a desflorestação, a pressão humana que ocupa o seu habitat natural para efeitos de exploração agrícola ou para habitação, mas também pela ignóbil caça de crias para venda e o consequente assassinato das progenitoras.
Apesar deste drama do progressivo desaparecimento dos Chimpanzés que é transversal a todo o continente, Cantanhez continua um santuário da biodiversidade e porto de abrigo de vários exemplares destes curiosos primatas.
Para chegar à sua floresta são necessárias algumas horas desde Bissau mas, sobretudo, um carro adequado ao mau estado das estradas mais a sul do país. Como em grande parte da Guiné-Bissau, falta a sinalética para nos guiar, pelo que é sempre aconselhável ir acompanhado por quem conheça ou parar aqui e além e indicações para chegar a Iembérem, a aldeia que conta com um pequeno eco-hotel que acolhe os turistas de braços abertos.
No dia em que lá cheguei com um grupo de amigos, tínhamos uma grande fogueira e danças tradicionais à nossa espera. Já era bem tarde, demorámo-nos umas boas horas com as nossas carrinhas baixas a terem que ultrapassar autênticas crateras na estrada e bancos de areia pouco amigos das nossas rodas. Foram 9 horas de Bissau até Iemberém, num percurso de 258 quilómetros.
Enquanto jantávamos e desfrutávamos daquele ambiente magnífico, os guias do parque aventuravam-se pela floresta em busca dos chimpanzés. Pé ante pé, o trabalho deles é palmilhar quilómetros de mato até detetarem o local onde se aconchegou alguma família destes primatas para passar a noite.
Pelas quatro da manhã, levantámo-nos, partimos de carro numa viagem de alguns quilómetros pelo interior da floresta, para depois percorrermos um longo percurso a pé, num quadro que impressiona os mais sensíveis. Em fila indiana é-nos imposto o silêncio total. Não se vê um palmo à frente do nariz, seguimos pelo breu ouvindo o respirar dos companheiros e todos os barulhos que borbulham na floresta. São bichos a rastejar, pássaros a cantar, arbustos a mexer ali mesmo ao nosso lado, sem fazermos a mínima ideia do que nos rodeia ou quem nos pode estar a observar. Em reação a um pequeno comentário, chega um imediato “psiuuu” do guia pisteiro e lá nos redimimos a seguir calados, dando a mão ao parceiro da frente para partilhar o receio e redobrar a coragem para enfrentar o caminho.
A determinada altura, paramos à ordem do guia e ficamos intermináveis minutos em total silêncio, sentados onde calha. Ali vemos chegar o dia e um espetáculo maravilhoso nos aguarda. Os chimpanzés acordam com os primeiros raios de sol que iluminam o horizonte e, sem darem por aquela mancha humana que os observa deliciada, batem no chão com as mãos para comunicar entre si, saltam entre de árvore em árvore e, entre guinchos e urros, prendem-nos ali uma infinidade de tempo a apreciar aquele momento único de comunhão com a mãe natureza.
Regressámos à Tabanca já o sol ia alto e o fumo dos fogareiros envolvia as muitas casas que por ali existem, com as mulheres a fazer o mata-bicho matinal de arroz para as suas famílias.
Esta experiência de partilha e de conhecimento do modo de vida dos chimpanzés que vivi no Parque Nacional de Cantanhez é única e inesquecível, começando a ser cada vez mais rara nos tempos que correm.
A destruição dos habitats naturais, a poluição, as alterações climáticas, entre outros factores, estão na argumentação de muitos cientistas a nível mundial para justificar a potencial ocorrência da sexta extinção em massa e, números como estes, relativos à diminuição catastrófica do número de chimpanzés (ou dos elefantes, dos rinocerontes, entre tantos outros animais do Planeta) devem-nos preocupar, e sobretudo sensibilizar para reagir com urgência e tudo fazer para reverter esta tendência.
Seria dramático testemunhar a extinção do deste primata tão próximo do ser o humano. Na verdade aquele que mais se nos assemelha.