Regina Sardoeira
Hoje, porque é o dia do meu aniversário, vou falar do tempo.
Há dias fui a Valença do Minho e, num impulso, atravessei a fronteira . Saber que um outro país estava ali mesmo, à distância de dois quilómetros, foi o suficiente para me impelir a transpor uma ponte sobre um rio comum e arribar, em poucos minutos, à Galiza.
Percebi que a atmosfera e a paisagem são perfeitamente idênticas e, não fossem pequenos indícios – a diferença mínima na linguagem nos cartazes publicitários e nos nomes das povoações, as matrículas dos carros, todas, ou quase, de Espanha, alguma peculiaridade arquitectónica – dir-se-ia que continuava em Portugal. Mas ao ver as horas no telemóvel e comparando a indicação com a do meu relógio, percebi que 5 minutos se haviam transformado, bruscamente, em uma hora…e cinco minutos!
Reflecti, então, acerca desta singularidade que atrasa ou adianta a cronologia, em função do país ou do fuso horário; e, uma vez mais, me dei conta da arbitrariedade da contagem do tempo.
De um lado da fronteira, eram 17 horas, do outro, 18. E, para além do Atlântico, por exemplo, no Brasil, as 17 horas são 13 ou 12! Não preciso de alongar – me sobre estas diferenças, porque elas são sobejamente conhecidas; mas reflectir sobre o tempo não é tarefa fácil para ninguém!
Hoje é o dia do meu aniversário, como disse. Mas o que significa, de facto, esta data?
Sei que daqui a umas horas se completa mais um ano da minha vida e que, ao referir a minha idade, terei que modificar o último algarismo. Sei que sou e não sou a mesma pessoa que um dia nasceu e foi crescendo. Sou a mesma, porque me sinto eu própria, numa identidade una ao longo dos anos; sou outra, porque vejo os sinais exteriores da diferença e percebo a evolução mental de que fui alvo.
O tempo, contudo, persiste um enigma, se o separar do calendário e dos relógios. O tempo não decorre de forma linear todos os dias: há saltos e desníveis, para a frente e para trás, avanços e recuos, portanto. Uma hora terá 60 minutos e um dia 24 horas; mas o que são, de facto, minutos e horas, na dimensão cósmica a que pertencemos?
Creio que essa contagem não existe, ao nível mais profundo da realidade, creio que, decerto, nem é possível efectuar uma tal contagem, apesar das buscas incansáveis dos cientistas e dos filósofos. Há uma recta do tempo, inevitavelmente, a conduzir – nos para a frente? Ou será que avançamos, às vezes, e outras recuamos no contínuo movimento das esferas?Escravos do relógio e do calendário, dizemos que são 17 horas, enquanto os espanhóis dizem que são 18 e que o dia acabará em 7 horas, para nós, e em 6, para eles. Quem tem, afinal, razão? Qual dos dois países é mais exacto na regulação do tempo?
Porque hoje é o dia do meu aniversário e não sei, de facto, se, ao nível cósmico, avancei ou recuei ou realizei qualquer outro movimento insuspeitado, desconfio desta marcação exacta das horas, nos relógios, e das datas, no calendário. E não, não é uma desculpa subtil para iludir a passagem dos anos, afirmando a juventude perene: é que, de facto, o tempo que, na Terra, nos vai imprimindo sinais no corpo e na mente, não pode medir – se, com exactidão, apenas no calendário e nos relógios. E talvez nem possa, efectivamente, medir – se. (Leiam, a propósito, Breve História do Tempo, de Stephen Hawking. )