Cultura, Literatura e Filosofia

DESALENTO*

Salvar a vida, até onde é
possível, mesmo à custa da morte. É o acto do suicida.
Vergílio
Ferreira (escritor)

 

DR CARLOS MOURA
Anabela Borges
Vestiste o teu melhor fato. É sempre bom
estar preparado, nunca se sabemos quem nos espera.
(o leito do moribundo; o fato do
defunto)
O que buscas?
Que silêncios te perseguem nas vozes
insanas que te enchem a cabeça?
A vida é aquele lugar desamparado, sem
tábua onde deitares a mão.
Que solidões te atormentam, no sentires
que estás sozinho no meio de gente que não te entende?
Que mágoas buscas arrancar ao álcool,
abafar o grito, os soluços, as palavras amargas?
Que esperanças te abandonaram no caminho
que percorrias de pedregulhos assassinos?
Que dores te confundem a ideia e te
levam ao delírio de pensar em não pensar em nada, enquanto pensas em mil
coisas?
Que seres te rodeiam, que não te vêem as
mãos desertas e os olhos baços a buscar libertação?
O mar é esse incessante vai-vém de dunas
e veios e vazas – que tudo altera e transforma – e águas profundas.
É silêncio e voz, solidão, mágoa e
apaziguamento, esperança, caminho, dor, deserto, libertação.
O mar é vida.
Contempla-o e volta para casa.
Alguém há-de precisar de ti.

*Este texto foi escrito em resposta a estas duas fotografias reais (não encenadas), que me enviou o fotógrafo Carlos Moura, depois de as registar, perturbado. Nesse dia, conversou com o senhor que, naquela hora, recuou nas suas intenções e abandonou o local. Talvez o Carlos
Moura tenha salvado a vida àquele homem. Quem vai saber? Mas ficou claramente impressionado pela força e o poder da morte numa hora má. Ninguém está livre de uma hora assim.  

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