TIAGO CORAIS
Há três anos os Britânicos foram chamados às urnas para votarem entre a permanência ou a saída da União Europeia, ou frequentemente designado de Brexit. Ironia das ironias, um dos argumentos usados para o Brexit foi a defesa da soberania do Reino Unido e que as grandes decisões democráticas voltassem ao Parlamento Britânico. Como se o Reino Unido não tivesse voz e não fizesse parte das decisões da União Europeia. Infelizmente, com este novo Governo Britânico, a verdade vem ao de cima e percebemos que Brexit é um projecto de uma direita radical, em que afinal não quer fortalecer o Parlamento Britânico, mas pelo contrário, pretende “suspender a Democracia”.
A implementação do Brexit por si só é muito complexa e para ser feita de forma ordeira e com algum sucesso, é necessário um plano e dez anos de transição com todos os passos bem definidos, especialmente com uma solução credível para as duas Irlandas. Como escrevi num artigo anterior, este processo é similar a Hong Kong quando passou a sua soberania do Reino Unido para a China. Houve uma negociação e uma transição de dez anos com os passos bem definidos. Era isso, que o Reino Unido devia ter feito desde o início e é fundamental que os políticos tenham a coragem de dizer isso, como também dizer que a implementação de um Brexit sem negociação e “sem espinhas” é impossível por causa da Irlanda do Norte e a República da Irlanda.
No entanto em todo este processo o Reino Unido nunca foi muito efectivo na negociação e criou sempre distrações. Primeiro activou todo o processo sem nenhum plano, nem estudo do seu impacto. Depois também não soube aproveitar o pouco tempo que tinha na negociação, desfocalizando com eleições e agora, novamente com eleições à liderança do Partido Conservador e subsequente a mudança de Governo. Ou seja, os pouco seis meses que tinham para preparar um novo acordo, foi reduzido na prática a dois meses.
Dois meses não dá para muita coisa e muito menos para preparar a saída da União Europeia sem acordo. O bluff que estão a preparar o País para a saída sem negociação é evidente, mas para o tornar mais credível aos olhos da população afirmaram que já no dia 31 de Outubro acabava a livre circulação para os Europeus, sem definição, criando o pânico e um “buraco” legal, que poderia criar problemas sérios a todos nós que residimos no Reino Unido. Ontem segundo notícias, o Governo já veio afirmar que afinal não irá fazer isso.
Toda esta encenação e a suspensão do Parlamento Britânico é uma manobra política dos Conservadores e do Boris Johnson para maximizarem e segurarem os apoiantes do Brexit. É uma posição “eleitoralista” e perigosa. Não há dúvidas que com Brexit todos perdem, não é só o Reino Unido. Mas, sendo uma ilha as maiores dificuldades estão nas mãos do Reino Unido.
Brexit é um tema que polariza. Ou se é a favor ou contra. Não existe o meio termo, nem soluções de compromisso. Os Conservadores para maximizarem o apoio do seu eleitorado têm que ser a favor do Brexit. Mas, acontece que o Brexit é impossível na prática, como disse em cima, por causa das duas Irlandas. Por isso, esta encenação é uma traição à Democracia.
A Rainha não tinha alternativa, em aceitar o pedido do Primeiro-Ministro, primeiro porque a Rainha tem pouca margem nesta situações, ela “governa” com os conselhos do seu Primeiro-Ministro e principalmente o motivo mencionado para a suspensão do Parlamento é o novo Governo e o “Queen’s Speech”. É normal isto acontecer, em 2016 o parlamento encerrou quatro dias, em 2014 foram 13 dias e agora foi pedido 25 dias! Ninguém consegue justificar o porquê de tanto tempo, dois a três dias seriam mais do que suficientes, especialmente num momento tão importante para o Reino Unido.
“Queen’s Speech” é o momento em que o novo governo apresenta o seu programa de governo. Acontece que toda a gente sabe que os reais motivos são o Brexit. Pela comunicação dada pelo Primeiro-Ministro ontem à porta de Downing Street, a tensão está elevada e existem inúmeras movimentações em ambos os lados.
Esta semana vai ser crucial para o Reino Unido como se desenrolará o Brexit e talvez seja a última oportunidade para parar a saída do Reino Unido da União Europeia sem negociação. Infelizmente todo este processo do Brexit foi muito mal conduzido desde o início e ninguém está isento de responsabilidades. O Governo e o Parlamento Britânico são os principais responsáveis por esta situação, mas a União Europeia também não está isenta de responsabilidades. Não sabemos ainda o desfecho do Brexit, mas não tenho dúvidas que para a história ficará que BREXIT FOI O GOLPE IÇANDO A BANDEIRA DA DEMOCRACIA.