Joana Benzinho
Conheci a escola Lassana Cassama, no Quelelè, um bairro periférico da capital da Guiné-Bissau, Bissau, no mês de maio que sucedeu o golpe de estado de 2012. Uma das muitas escolas comunitárias ou privadas que existem na Guiné-Bissau com o objectivo de complementar o ensino público, extremamente deficitário. A escola era de caniço – quirintim – e composta por várias salas que quase se sobrepunham. Penso que eram 3 salas nesse ano. Havia algumas cadeiras e mesas de plástico doadas por uma ONG espanhola mas também lá estavam crianças com o banquinho trazido de casa. Conseguíamos ouvir o respirar das meninas e dos meninos na sala ao lado. Era uma cacofonia total mas todos sabiam o seu lugar e o seu papel naquele caos ligeiramente claustrofóBico.
Em agosto desse mesmo ano, entusiasmada com a perspetiva do reencontro com aquela comunidade sem muitos recursos mas com uma enorme vontade de garantir aos mais novos o acesso à educação, voltei ao bairro mas não encontrei a escola. As chuvas tinham-na derrubado, como acontecia cada ano, com a época de maior pluviosidade a ocorrer entre julho e setembro. O material didático e o mobiliário escolar estavam guardados numa arrecadação e todos aguardavam o fim das chuvas para fazer renascer uma escola. E assim foi. Chegado o mês de Setembro, com o tempo seco a espreitar, a comunidade pôs mãos à obra, comprou quirintim e lá nasceu uma nova escola no mesmo espaço, um pouco maior, em forma de U, com as paredes de caniço exterior pintadas com motivos infantis.
O chão da sala de aula continuava a ser de terra batida, as crianças continuavam a chegar de banquinho de madeira à cabeça e mochila às costas e a algazarra era a mesma, ou talvez maior, porque com mais salas, mais crianças tiveram a oportunidade de frequentar a escola. Nesse ano, conseguimos comprar chapas de zinco para substituir a palha e proteger o teto das salas de aula da chuva, mas também do sol. Com este pequeno melhoramento garantimos a continuidade da escola para além da chuva e do ensino até ao final do ano letivo, em junho. A casa de banho, essa, continuava a ser o terreno baldio atrás da escola, sem distinção de género ou condição financeira.
Venho a encontrar esta realidade de novo e mais tarde em Maru Bague, Leste da Guiné-Bissau, onde a sombra de um mangueiro albergava uma escola de palha, numa única divisão com mesas e cadeiras de cana e 115 alunos espalhados pelos dois períodos do dia sob tutela de um único professor. Também esta escola era anualmente destruida pela chuva e reconstruída entusiasticamente por miudos e graúdos da aldeia.
Tanto num sitio como noutro, nasceram duas escolas de tijolo, com chão de cimento e telhado, construídas pela ONGD portuguesa Afectos com Letras. Escolas com mesas e cadeiras de madeira, quadros de giz, sala de professores e casas de banho para as meninas e para os meninos.
Nestas duas aldeias, a população mobilizou-se uma última vez para ajudar a erguer as paredes que nunca mais vão ver ceder ao peso das grossas gotas de água que caem fortes na Guiné-Bissau, no tempo que lhes cabe em sorte.
São estas escolas, filhas da chuva, que nos mostram como num país com um sistema educativo frágil, conseguir estudar é quase um acto de rebeldia.