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Cidadania e Sociedade

O BULLYING NÃO É CRIME MAS MATA

Sílvia Ferreira de Carvalho

“Ossos partidos curam-se, corações despedaçados são mais difíceis de tratar e espíritos quebrados podem ser lesões para toda a vida.” in Joel Haber e Jenna Glatzer “ Bullying manual anti-agressão” 

Antes de começar o artigo, esclareço que tendo sido vítima de bullying, essencialmente verbal, devido entre outras coisas à minha magreza, nunca confundi esse fenómeno, com as brincadeiras entre mim e os meus pares, mesmo as menos inteligentes, pois em meu entender sempre foram e são coisas diferentes. Razão pela qual me revejo nas palavras de Tim Gil, na sua obra Sem Medo – Crescer numa sociedade com aversão ao risco, quando refere que “numa atmosfera de crescente consciência pública e atenção dos meios de comunicação social a este problema, há o perigo real de os adultos reagirem de forma excessiva e reprimirem comportamentos que, ao contrário do bullying, têm o papel crucial de ajudar as crianças a aprenderem por si mesmas como lidar com situações sociais difíceis.” Posto isto,

No dia 20 de Outubro assinalou-se o Dia Mundial de Combate ao Bullying, esta data serve como alerta para este fenómeno social.

De referir que, segundo o Fundo das Nações Unidas para a Infância, uma em cada três crianças do mundo é vítima de bullying na escola, por norma. entre os 13 e os 15 anos. No entanto, este fenómeno não se cinge ao espaço escolar, tendo lugar nomeadamente em actividades extra-curriculares, como as desportivas, por exemplo. 

Corria o ano de 1978, quando Dan Olweus, começou a pesquisar sobre “mob” ou “mobbning”, como era conhecido, na Noruega, o fenómeno que actualmente conhecemos como bulliyng, expressão inglesa, mas também utilizada em Portugal.

Todavia, só volvidos vários anos é que se começou a prestar a atenção a este fenómeno, quando na Europa e nos EUA, começaram a ser noticia o suicídio de jovens, que eram vítimas de actos repetidos de violência contra si, por parte de colegas de escola.

Decorriam os anos 80 quando se verificou um aumento dos números de episódios de “bullying”, assim como os estudos sobre o tema um pouco por toda a Europa e pelos EUA.

Em Portugal, no entanto, só nos anos 90 é que surge o tema, oficialmente, no nosso sistema de ensino. Volvidos todos estes anos, o sistema de ensino ainda não demonstra saber lidar com este fenómeno. 

Outro fenómeno que ganha cada vez mais espaço é o chamado ciberbullying, através do uso de fotografias, vídeos e a sua colocação nas redes sociais, ou também através da criação de grupos nas próprias redes, com vista a ofender e humilhar a vítima.

Em matéria jurídica, é de referir que o bullying não se encontra tipificado como crime, em Portugal, mas há uma série de comportamentos que se enquadram no fenómeno do bullying que configuram crime, nomeadamente a violência física, psicológica, a injúria e a devassa da vida privada.

Assim, o essencial é perceber que apesar de não existir o crime de bullying ou ciberbullying, os actos praticados no âmbito destes são por norma crime e por isso as vítimas devem apresentar queixa.

No entanto, também é importante distinguir a mera agressão, enquanto ato isolado, do bullying que implica reiteração dos actos e comportamentos.

No âmbito jurídico, muito se tem debatido a criminalização do fenómeno, mas a verdade é que atendendo à faixa etária dos agressores, por norma, não parece que seja essa a questão mais pertinente. Atendendo desde logo às faixas etárias comuns neste tipo de fenómeno, pois aos jovens entre os 12 e os 16 anos aplica-se a lei tutelar educativa (LTE) quando tenham praticado facto qualificativo como crime pelo código penal, pois são inimputáveis em razão da idade e aos jovens entre os 16 e os 21 anos, aplica-se o Regime Penal Aplicável a Jovens Deliquentes (DL N.º 401/82, de 23 de Setembro) Ora, olhando para as faixas etárias e para a aplicação legal que tem lugar em cada uma, a criminalização do bullying não parece ser a questão essencial em debate.

A verdadeira batalha contra este fenómeno terá lugar, desde logo na consciencialização da sociedade, para que possam assim ter lugares as denúncias, de modo a resultarem numa aplicação efectiva da lei, o que muita das vezes não sucede, porque os adultos envolvidos banalizam, mesmo quando há denúncia.

Posto isto, é inevitável assumir que este é um problema de todos e que só pode ser resolvido com a colaboração de pais, professores, auxiliares e a sociedade no seu todo, para que ninguém fique para trás, perdido no sistema, nomeadamente os agressores, afinal estamos a falar em regra de crianças ou jovens e é nossa obrigação e do próprio sistema não desistir deles, mas mais do que isso é importante educar as crianças para que não se tornem nem vitimas, nem agressores.

Não abrimos o Código Penal e encontramos lá o crime de Bullying ou Ciberbullying, mas estes implicam, por norma, actos que estão tipificados como crime e deixam vítimas, logo o combate a estes fenómenos tem que ser efectivo. 

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