Joana Benzinho
Numa das minhas passagens pelo mercado de artesanato dos Coqueiros, na Guiné-Bissau comprei um anel para oferecer que se veio a revelar pequeno demais. Acabei por voltar para o trocar por um mais largo mas disse-me o vendedor que não tinha mais e melhor era ir ao amigo ourives ali ao lado que ele o alargaria. Entrei então num pequeno espaço coberto por palha onde havia uma velha cadeira de automovel a fazer a vez de uma poltrona e, em frente um baixinho banco corrido. O rapaz perguntou-me ao que ia e entreguei-lhe o anel para alargar. Enquanto o fazia, coisa rápida para quem, como ele, domina as matérias de ligar, desligar e estender materiais com o calor, foram chegando jovens a pedir que lhes fizesse anéis com este ou aquele modelo para oferecerem nesse mesmo dia às namoradas. Era dia de São Valetim e, na Guiné-Bissau, o amor também se celebra e manifesta através de presentes, e estes totalmente personalizados e únicos. Voltei lá há pouco tempo e atrevi-me a encomendar, também eu, um anel feito à medida dos meus desejos. E o cerimonial repetiu-se, agora comigo ali sentada, naquele banquinho em frente ao banco de um automovel desativado e que assume vestes de poltrona. Sem pressas, preparou todo o material necessário. Acendeu a espécie de lamparina depois de lhe despejar um pouco de combustível da velha garrafa de vidro, preparou o pedaço de prata que ia usar, a lima, o pequeno torno em madeira e o martelo. Ao lado um pequeno recipiente com água e sabão em pó. E na mão, uma espécie de palha que mais tarde espalharia o calor das brasas. O artesão, talvez por concentração ou tão só timidez, manteve-se sempre calado e às perguntas que fazia, respondia de forma monossilábica. Mas aquela hora ali passada foi mágica.
De um pequeno cubo de liga de prata ele criou um anel, de uma perfeição incrível. A joia ganhou forma entre o martelar do pequeno cubo e o calor da palha a passar pela chama da lamparina que distendia ainda mais aquele pedaço maciço de metal. Ao fim de uma hora de trabalho meticuloso, o anel foi limado, soldado para fechar o círculo que havia de envolver o meu dedo e meticulosamente lavado com sabão em pó que lhe deu um novo brilho.
Ali, entre o pó do chão de terra batida e o fumo, nasceu a mais bela peça de bijuteria que algum vez tive. Porque foi soprada, martelada, estendida, limada, moldada e soldada para mim. Porque é uma peça de ourivesaria única. E hoje em dia é raro encontrar preciosidades destas. Posto o anel no dedo, o ourives limpou meticulosamente cada instrumento utilizado como se fosse o seu maior tesouro e arrumou tudo envolvido num pano num balde. Ali ficou à espera dos clientes que irão na certa deliciar-se com aquele momento de criação que nunca irei esquecer.