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Cidadania e Sociedade

O SIMBOLISMO DE UM SUPERÁVITE

Rui Canossa

O saldo orçamental positivo que deverá ser atingido em 2020 não deve ser interpretado como se todos os nossos problemas estivessem ultrapassados. De facto, o Orçamento de Estado para 2020 terá como objetivo expresso um superávite do saldo global, o que não acontecia há décadas. Se o grau de execução orçamental for compatível com aquilo que o ministro Mário Centeno nos habituou, é mesmo de esperar que as Receitas Públicas vão ser maiores que as Despesas Públicas. O que por si só é bom. Significa que o Estado português tem agora uma margem para, por exemplo, abater a gigantesca dívida pública resultante do acumular de défices orçamentais sucessivos. Mas, por outro lado, há que atender aos efeitos menos positivos a curto prazo de uma política de mera contenção da despesa e dos efeitos de uma política fiscal errática a qual tem vindo a castigar cada vez mais os portugueses, já que em 2019 peso dos impostos no rendimento foi recorde de 35,4% e este orçamento vai contribuir para um novo aumento, sobretudo pela necessidade de alimentar um setor público enorme e se consideramos o peso da dívida acumulada faz com que a marca alcançada seja pouco mais do que simbólica.

Além disso, convém lembrar que estes resultados aconteceram após anos de crescimento económico e redução do desemprego, de degradação da qualidade de alguns serviços públicos e, sobretudo, de juros historicamente baixos por parte do Banco Central Europeu de Mário Draghi aliviando o serviço da dívida em milhares de milhões de euros. E se isto tiver que mudar? Christine Lagarde, a nova presidente do BCE, não pode continuar eternamente a manter as taxas de juro perto de zero ou mesmo negativas pelo que a tendência é pressionar que os governos apostem em maior esforço orçamental para promover o crescimento económico, que abranda na europa, ou seja, apostar numa política orçamental expansionista e menos na política monetária responsabilidade do BCE. Isto significa mais pressão sobre a Despesa. Do lado das empresas as condições financeiras expansionistas colocadas em prática pelo BCE levaram a um crescimento da dívida das empresas pelo recurso ao crédito o que tem alavancado a economia portuguesa, mas se os juros subirem, o caso pode mudar de figura o que torna ainda mais difícil a tarefa dos Bancos Centrais em normalizarem as suas políticas. Neste particular, não creio que Christine Lagarde vá aumentar as taxas de juro no curto-prazo. Acredito que durante os próximos anos o BCE vai continuar a praticar as atuais taxas de referência e consequentemente a EURIBOR, taxa de juro à qual os bancos comerciais emprestam moeda entre si, também continuará perto de zero ou mesmo negativa.

Finalmente, outra questão fulcral, que parece estar a ser esquecida, e não é só pelo nosso governo, dos outros países também, é a questão do envelhecimento populacional e o seu impacto na Despesa Pública. Há vários estudos que apontam um disparar da Despesa com a saúde e com as pensões nos próximos anos. Ora a existência de um Estado saudável e viável a prazo implica ajustamentos hoje. Mas, não me parece que isso vá acontecer. Como alguém disse, “em política, ter razão antes do tempo é totalmente improdutivo”.

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