Joana Benzinho
Recentemente num concerto do cantor angolano Bonga, este explicava a um público essencialmente Belga presente na sala a diferença de maneira de estar entre um africano e um europeu. Quando o vizinho faz uma festa em casa com música alta, o africano manda lá o filho pedir para subir o som e assim também fazem festa em casa. Na Europa chama-se a polícia se o vizinho se atreve a fazer barulho depois das 22h.
É deste espírito que vos quero falar nesta crónica, o espírito africano em geral mas muito particularmente o guineense.
Onde quer que se passe ou assente praça na Guiné-Bissau há música, há barulho, há gargalhadas.
Neste país são comuns as festas de quintal e as serenatas que juntam casais mais velhos e mais novos ou solteiros que na certa vão encontrar par para dançar a tarde toda e, quem sabe pela noite dentro. Há músicos excelentes e talvez por isso a musica e a dança estejam enraizados no ADN de cada um.
Num país em que grande parte das pessoas não tem luz em casa, a vida celebra-se na rua, em comunidade. Para isso basta um rádio de pilhas e a boa música guineense para todos ficarem na rua até tarde a conversar ou a dançar, se o ritmo para tal puxar. E o som é sempre em altos decibéis. Porque uma festa ou manifestação pública querem alegria, exaltação e não se bastam com um som mediano. A discoteca Bambu, à entrada da capital, todos os dias está cheia de gente a dançar e de gente do lado de fora onde madrugada fora se vendem sandes de ovo ou de fígado com molho de cebolada.
Um dia na praia de Varela, na fronteira com o Senegal, desafiaram-me a ir à discoteca. Não fazia ideia de que tal houvesse por ali e a curiosidade levou—me até lá. Mas, antes de sair, lá enchemos uma mala térmica com bebidas frescas porque, avisaram-nos, por ali não costuma existir bar. Fomos picada fora, de lanterna na mão a iluminar o caminho e de mala térmica às costas e começámos a ouvir, de longe, o gerador a bombar e a dar alegria à população. Havia gente cá fora na conversa aqui e ali e uma pequena fila para tirar bilhete de entrada, apesar de não haver portas nem janelas no espaço. Os bilhetes saiam de uma caderneta de bilhetes do cacilheiro que ligava Bissau – a 170 km dali – à ilha de Bubaque. E faziam perfeitamente o papel.
Entrámos e a música estava a passar num rádio de cassetes ligado a uma coluna. A animação era enorme, muitos jovens sedentos de animação dançavam, riam, abordavam as miúdas que se lançavam com eles na pista como se não houvesse amanhã.
Enquanto bebíamos uma cerveja fresquinha víamos aqui e ali umas garrafas de sumo ou talvez vinho de palma a ser partilhadas entre amigos.
Perguntei ao DJ até que horas íamos ter animação e ele muito espontaneamente respondeu que era até acabar o combustível do gerador. Fazia sentido.
Quando regressámos a casa com a nossa mala térmica ainda a música rufava e fazia vibrar paredes e telhado de zinco. Ouvia-se nitidamente a grande distância. Bem vistas as coisas nem era necessário pagar bilhete para usufruir da animação. E foi o que constatámos. Gente na rua ao longo da estrada em grande animação. Porque a Guiné-Bissau é mesmo assim. Quando há alegria e festa esta partilha-se com quem está por perto. E é esta solidariedade, não apenas nas dificuldades mas também nos momentos felizes e de farra, que faz da Guiné-Bissau, um espaço no mundo tão especial. Onde chamar a polícia pelo ruído dos outros é tão surreal e disparatado como seria aqui na europa ir pedir ao vizinho para aumentar o som do rádio.