Joana Miranda
Nos dias que vivemos, a área da Saúde Mental pode acabar por ser negligenciada, algo que pode acontecer em alturas de emergência ou catástrofes. No entanto, é também nesta fase que a nossa saúde mental se torna mais frágil, que as doenças psiquiátricas já existentes podem agudizar ou que podem surgir novos quadros em pessoas previamente saudáveis. Os quadros depressivos são alguns dos casos que causam especial preocupação aos profissionais de Saúde Mental nesta fase.
De uma forma resumida, os sintomas base da depressão são a anedonia (ausência de prazer ou interesse por actividades das quais o indivíduo gostava) e humor deprimido. O humor deprimido caracteriza-se por uma sensação constante de tristeza, vazio, falta de esperança, durante a maior parte do dia e quase todos os dias. Humor deprimido é muito mais do que estar triste. A acompanhar estes sintomas cardinais, a pessoa pode sentir um cansaço extremo, pouca ou nenhuma motivação para tarefas, diminuição do apetite, sentimentos de culpa, não se conseguir concentrar e ter dificuldades em dormir. Podem também surgir ideias de morte ou de suicídio, sendo esta a principal complicação da depressão. Para considerarmos um quadro depressivo este deve existir no mínimo há duas semanas e causar sofrimento à pessoa.
E porque é que nos preocupa tanto que estes quadros agravem durante esta fase de quarentena devido ao COVID-19? Por vários motivos:
1. Dificuldade em manter a rotina diária – algo fundamental para restabelecer o funcionamento prévio da pessoa com depressão é que esta tenha uma rotina. Mesmo quando não existe capacidade laboral e há necessidade da pessoa se afastar provisoriamente do trabalho, é fundamental que a pessoa continue a manter uma rotina. Numa situação em que esta tenha que passar todo o dia, todos os dias em casa, isto pode ser difícil de se conseguir;
2. Distanciamento social – sentimentos de culpa, desvalorização e solidão são comuns em quadros depressivos. Estes sentimentos numa situação de distanciamento social poderão agravar e causar uma dor muito grande ao doente;
3. Incerteza sobre a situação e o futuro – De mãos dadas com a depressão, está a ansiedade patológica. Qualquer pessoa que esteja a viver a situação actual se sente apreensiva; este é um cenário completamente novo e é natural que a sensação de falta de controlo leve a um aumento dos níveis de ansiedade. Isto é normal e não significa que estejam mentalmente doentes. Mas no caso de doentes com quadros depressivos e níveis elevados de ansiedade, esta situação pode causar uma angústia tão forte que poderá culminar em episódios aos quais chamamos de ataques de pânico.
4.Alterações do sono – As pessoas estão em casa, mudam as rotinas, alteram horários de sono… Na maior parte das vezes isto não será grave durante alguns dias, mas nos doentes deprimidos, onde já existem habitualmente alterações do sono (dificuldade em dormir, sensação de “sono leve”, cansaço ao acordar ou acordar muito cedo), o facto de alterar estes horários, junto com o aumento da apreensão pode agravar ainda mais o quadro. É fundamental descansar para se estar apto para lidar com as emoções que surgem ao longo do dia.
5.Dificuldade em renovar medicação – Como os serviços de saúde estão focados na pandemia, poderá haverá atraso em consultas, dificuldade em obter receitas ou em dirigirem-se às farmácias. Poderá cair no erro de pensar que “não faz mal ficar uns dias sem a medicação”. Isto é um erro grave, que poderá fazer com que muitas pessoas agravem o seu estado.
6.Dificuldade em pedir ajuda – Pelo mesmo motivo enumerado em cima, poderá ser mais difícil obter ajuda em caso de agudização de sintomas e, relativamente à consequência mais grave, pedir ajuda em caso de ideias de morte ou suicídio. É fundamental que procure ajuda nestas situações, que são consideradas emergentes.
As boas notícias é que este texto não foi feito só para apontar o que pode correr mal, mas sim para ajudar a diminuir a probabilidade disso acontecer:
- É possível manter uma rotina – É importante ter um plano de horário para cumprir. Claro que não terá de ser seguido completamente à risca, mas deverá ter horários estipulados para cada tarefa. Manter os horários das refeições e do sono, por exemplo. O que pode ser mais difícil é arranjar ocupação para o restante tempo, mas a oferta é variada: ler os livros que estão guardados na estante, os filmes nomeados para os óscares que não teve tempo de ver, ouvir aquele álbum que ainda não conseguiu. Aproveite para aprender a tocar um instrumento musical ou para começar a desenhar. No fundo, coisas novas que nunca teve tempo para descobrir. E não se esqueça da horinha do exercício físico.
- Manter os contactos – Não é por sermos obrigados a distanciarmo-nos fisicamente de quem mais gostamos, que temos de quebrar todos os contactos. Pelo contrário, é necessário que nesta fase as pessoas se mantenham unidas e se sintam apoiadas pelos seus. Aproveite esta era tecnológica para contactar por videochamada, mensagem, mensagem de voz, chamada normal, todas as redes sociais… Não tenha medo de expressar o que sente com aqueles em quem confia, até porque o mais provável é os outros sentirem algo semelhante. Partilhem e apoiem-se mutuamente.
- Lidar com a ansiedade – Exercício, exercício, exercício. O primeiro passo para combater a ansiedade é apostar no exercício físico. Estar parado o dia todo em casa não ajuda em nada àquilo que chamamos de ansiedade vegetativa (é a ansiedade que se sente fisicamente, na forma de palpitações, suores, tremores). Por isso é fundamental incluir o exercício físico no seu horário de quarentena. Existem muitos canais do youtube onde pode encontrar aulas e há actualmente muitos ginásios a disponibilizar aulas gratuitas online. Outra estratégia que pode ajudar é aprender a conhecer e controlar a respiração com exercícios próprios. Ah, e diminuía o tempo do seu dia que dedica às notícias – também podem ser uma fonte de stress.
- Sono reparador – Tudo o que se falou anteriormente é importante para que o sono seja reparador. Além disso, manter horários para acordar, não exagerar nas bebidas com cafeína (café, certos chás, coca-cola), não usar telemóvel nem ver tv na cama, adormecer na cama e não no sofá, são conselhos que fazem parte da chamada “higiene do sono”.
- Manter a medicação e pedir ajuda – É crucial que se mantenha o contacto com o serviço de Psiquiatria onde se é seguido e com o Psiquiatra assistente. Apesar de nesta fase poder ser mais difícil, cada serviço de Psiquiatria de cada hospital do país se está a organizar para manter o apoio e a melhor estratégia é sempre tentar articular com o serviço que o segue e o conhece. No entanto, existe sempre uma Urgência perto de si onde poderá pedir ajuda especializada. Fundamental também é manter a medicação que costuma fazer, porque uma grande parte dos quadros depressivos agravam quando os doentes abandonam a medicação. “Só uns dias” sem medicação pode ter efeitos graves, ao contrário do que muitas pessoas pensam.
Relativamente aos tempos difíceis que vivemos, só posso acrescentar que, além do vírus, também a bondade, a empatia e a calma são contagiosos. E não se esqueça, o esforço por estar em casa vai-se notar nas próximas semanas, não desista! Força!