Alexandre Carneiro
No contexto atual de pandemia COVID-19, que ameaça a nossa saúde física e mental e o futuro da economia e da sociedade, são precisos bons líderes. Destaco esta necessidade porque discordo do rumo da Direção Geral da Saúde para o controlo da pandemia em Portugal. Não sou Infeciologista ou Epidemiologista, mas sou capaz de ler e interpretar artigos técnicos, recomendações e os documentos dos organismos internacionais, particularmente do CDC Americano. Constato que em numerosas ocasiões as afirmações proferidas pelos nossos responsáveis são grosseira e factualmente erradas. As medidas que publicamente defendi há dias e semanas e que eram rotuladas como alarmistas têm sido tomadas em pequenas “prestações”, com uma ordem e ritmo que seguem a progressão da infeção e não a antecipam.
A título de exemplo destaco a afirmação da ministra da Saúde proferida no passado dia 14/03: “Entramos numa fase de crescimento exponencial da epidemia”. Esta afirmação é ignorante ou desonesta. A fase inicial da curva de crescimento desta pandemia é necessariamente exponencial. Pelas suas características, na ausência de medidas, não poderia deixar de ser exponencial. Vou benevolamente acreditar que a Sra. Ministra sofre apenas de analfabetismo matemático.
Posso também fazer futurologia e prever que medidas mais duras contempladas pelo estado de emergência serão aplicadas e que não iremos conseguir perceber o porquê da demora, quando já há muito são reclamadas pela sociedade civil.
Como profissional de saúde, a minha prioridade tem sido a excelência clínica e as ambições de liderança nunca fizeram parte do meu projeto de vida. Inevitavelmente ao longo da minha carreira tenho contactado com muitos líderes, sobretudo ao nível da gestão intermédia e a minha experiência tem sido, com as devidas exceções, globalmente negativa.
A má gestão intermédia é o cancro das nossas instituições. Há uma frase, conhecida como a Navalha de Hanlon: “Nunca atribuas à malícia o que pode ser devidamente explicado pela incompetência”. Nas instituições por onde passei, encontrei predominantemente burocratas, desprovidos de mérito ou iniciativa. Não me refiro apenas a Gestores com a respetiva licenciatura, mas também aos profissionais de saúde que ocupam cargos de chefia. Como Médico Radiologista nunca pertenci a uma organização em que sentisse existir um projeto válido. Só conheci a obsessão pela realização de um sempre crescente número de exames de diagnóstico, em nome da produtividade, sem considerar o verdadeiro benefício para o doente.
Com as devidas exceções, nunca respeitei os meus superiores diretos. Na sua maioria, não lhes reconheço valor clínico e não lhes pediria uma segunda opinião na interpretação dos meus exames.
O seu foco em objetivos cegos e na sua própria carreira impediu que previssem esta crise. Para preparar esta crise era preciso ter abdicado de “resultados”, antes que existisse uma aceitação geral da inevitabilidade de sacrificar os números à realidade. Estas falhas foram cruciais: não houve capacidade de contrariar a inércia e o senso-comum. Só assim se explica que não tenham sido acautelados os equipamentos de proteção individual, os ventiladores, a organização das instituições e a formação dos profissionais.
Esta crise era completamente previsível ao contrário do que tem sido veiculado na comunicação social. Os primeiros casos foram descritos em Wuhan, China, em Dezembro de 2019 e não havia razões para acreditar num excepcionalismo ocidental ou português que nos tornasse imune à doença. Em dois meses nada foi feito. Um responsável da nossa Saúde Publica, Jorge Torgal, comparou a doença a uma “gripe”.
A sociedade civil, concretamente, muitos profissionais dos quais fui colega nas instituições onde trabalhei têm revelado maior clarividência na leitura desta crise e nas suas afirmações publicas. Não é uma coincidência que sejam profissionais que eu respeito e nos quais confiava no dia-a-dia.
O seu erro, e o meu erro também, foi tolerar as más lideranças.
O meu compromisso com o presente é exercer as minhas funções como médico, sobreviver a esta ameaça e ajudar a minha família e amigos.
O meu compromisso com o futuro é ser completamente intolerante com as más-lideranças.