Rui Canossa
O Banco de Portugal publicou há dias dois cenários para a economia portuguesa em virtude da pandemia que afeta a Humanidade. Como já tinha adiantado no meu artigo anterior a pandemia corresponde a um choque económico adverso com efeitos muito significativos e potencialmente prolongados no tempo em termos do bem-estar dos cidadãos e da atividade das empresas.
Assim, no cenário base, mais otimista, estima-se uma redução de 3,7% do PIB real em 2020. Assume-se que o impacto económico da pandemia é relativamente limitado, o que decorre, em parte, da hipótese de que as medidas adotadas pelas autoridades económicas são bem-sucedidas na contenção dos danos sobre a economia. A economia portuguesa apresenta um crescimento ainda fraco em 2021 (0,7%), recuperando mais notoriamente em 2022 (3,1%).
Ao nível do mercado de trabalho, projeta-se uma queda do emprego de 3,5% e uma subida da taxa de desemprego para 10,1% em 2020. Nos anos seguintes, a taxa de desemprego reduz-se gradualmente, para 9,5% e 8,0%, respetivamente, em 2021 e 2022. Refira-se que a evolução projetada para o desemprego depende crucialmente da configuração e magnitude das medidas de política que possam ser implementadas de imediato.
Projeta-se que o consumo privado se reduza em 2,8% em 2020, após ter aumentado 2,3% em 2019. A evolução do consumo reflete, por um lado, um aumento da poupança das famílias num ambiente de grande incerteza e, por outro, a ligeira queda do rendimento disponível real. Esta queda é mitigada pelas medidas orçamentais anunciadas, antecipando-se um aumento significativo das transferências públicas para as famílias em 2020. Para o consumo público, estima-se um crescimento de 2,1% em 2020, superior ao de 2019 (0,8%), em resultado de um aumento significativo da despesa em saúde suportada pelas administrações públicas.
No cenário base, a formação bruta de capital fixo (FBCF) diminui 10,8% em 2020, devido à forte redução do investimento empresarial e, em menor magnitude, do investimento residencial. As despesas de investimento das empresas deverão ser fortemente condicionadas pela elevada incerteza quanto à magnitude e à duração do surto e ao seu impacto sobre as perspetivas de procura interna e externa.
As exportações de bens e serviços reduzem-se marcadamente em 2020, diminuindo 12,1%, após uma subida de 3,7% em 2019. Esta evolução reflete a redução da procura externa dirigida à economia portuguesa, associada ao enfraquecimento da atividade económica mundial provocado pela pandemia. As exportações de serviços, em particular de turismo e transportes, são fortemente afetadas pelas limitações à movimentação de pessoas e deverão registar uma queda acentuada. As importações reais reduzem-se também de forma significativa em 2020 (-11,9%, após um aumento de 5,2% no ano anterior), refletindo a contração da procura global.
Os saldos da balança corrente e de capital mantêm excedentes ao longo do horizonte de projeção, de 2,0% este ano, 2,4% em 2021 e 1,3% em 2022, beneficiando da diminuição do preço do petróleo, o que é bom, pois o saldo conjunto da balança corrente e de capital sendo positivo significa que o país tem capacidade de financiamento e não está a viver acima das suas possibilidades. No contexto de um choque que incide sobre a procura e a oferta agregadas e que envolve alterações significativas de preços relativos, assume-se que prevalece algum efeito descendente sobre os preços. Assim, a taxa de inflação permanece em níveis baixos ao longo de todo o horizonte de projeção: 0,2% em 2020, 0,7% em 2021 e 1,1% no último ano do horizonte.
Por outro lado, no cenário adverso, assume-se que o impacto económico da pandemia é mais significativo devido à paralisação mais prolongada da atividade económica em vários países, conduzindo a maior destruição de capital e perda de emprego. Este cenário considera também uma maior incerteza e níveis de turbulência mais significativos nos mercados financeiros. Nestas condições, a economia portuguesa regista uma recessão mais profunda, com o PIB a reduzir-se 5,7% em 2020. Nos anos seguintes, a atividade económica recupera, prevendo-se um crescimento de 1,4% em 2021 e de 3,4% em 2022.
Neste cenário, a taxa de desemprego aumenta mais marcadamente em 2020, para 11,7%, e apesar da redução esperada nos anos seguintes mantém-se em níveis superiores aos do cenário base (10,7% e 8,3%, respetivamente, em 2021 e 2022).
Projeta-se que o consumo privado diminua 4,8% em 2020. As famílias reduzem mais significativamente as despesas de consumo num cenário de maior incerteza, caracterizado também por uma maior queda do emprego, níveis mais elevados da taxa de desemprego e condições financeiras mais desfavoráveis.
O cenário adverso incorpora uma queda de 14,9% da FBCF em 2020, ou seja, do investimento. O impacto do choque sobre o investimento empresarial é reforçado pela maior incerteza, pelo abrandamento mais significativo da procura global e pela deterioração das condições de financiamento.
Num cenário de recessão global e de colapso do comércio mundial, a procura externa dirigida à economia portuguesa reduz-se mais significativamente e determina uma queda de cerca de 19,1% das exportações de bens e serviços em 2020. Nos anos seguintes, este agregado deverá recuperar em linha com o ciclo externo. As importações apresentam uma redução de 18,7% em 2020 e uma recuperação em 2021-22.
Os saldos da balança corrente e de capital mantêm excedentes próximos dos projetados no anterior cenário ao longo do horizonte de projeção (2,0%, 2,9% e 1,4%, respetivamente, em 2020, 2021 e 2022). A taxa de inflação permanece em níveis ainda mais baixos ao longo de todo o período, prevendo-se que se situe em -0,1% (deflação) este ano, 0,5% em 2021 e 0,7% em 2022.
A incerteza em torno destes cenários é muito elevada tendo em conta a evolução recente da pandemia, as medidas de confinamento adotadas pela generalidade dos países, a elevada perturbação nos mercados financeiros e as medidas de política que têm vindo a ser sucessivamente reforçadas em várias jurisdições. Atendendo às condições de partida e à incerteza que envolve a crise em curso, não podem ser excluídos cenários ainda mais adversos.
A economia portuguesa apresenta vulnerabilidades específicas face a um choque desta natureza. A importância do setor do turismo na atividade económica implica uma elevada exposição à redução esperada da procura global deste tipo de serviços, que será muito significativa. Um choque económico desta dimensão coloca também dificuldades acrescidas ao tecido empresarial, dominado por empresas de pequena dimensão e com situação financeira relativamente frágil. Finalmente, a elevada percentagem de famílias perto ou abaixo do limiar de pobreza em Portugal implica uma reduzida margem de absorção do choque perspetivado sobre o rendimento.
A crise desencadeada pelo novo coronavírus constitui um inédito e sério desafio às diversas políticas económicas, que deverão dar prioridade à resposta de curto prazo ao impacto provocado pela pandemia, mas as considerações de médio prazo deverão também ser tidas em conta.
O momento atual volta a sublinhar a necessidade do reforço da liderança, coordenação e cooperação internacional em vários domínios, especialmente em termos económicos. Neste âmbito assume importância o aprofundamento da União Monetária, com a implementação e reforço dos mecanismos orçamentais europeus para a estabilização económica e para a promoção da convergência. Perante um choque comum como a emergência do coronavírus, é necessária solidariedade e a adoção de políticas partilhadas a nível europeu. Adicionalmente, a cooperação internacional tendente a evitar a acumulação de desequilíbrios macroeconómicos e a adoção de políticas protecionistas deve ser intensificada.
Em Portugal, tal como em crises passadas, os agentes económicos e a sociedade em geral saberão solidariamente ultrapassar a atual situação de emergência, devendo retirar-se os ensinamentos que permitam um melhor desempenho no futuro, num quadro de cooperação europeia e internacional.
Entretanto, mantenham-se a salvo. Fiquem em casa.