Home>Cidadania e Sociedade>QUE NOVO MUNDO TEREMOS?
Cidadania e Sociedade

QUE NOVO MUNDO TEREMOS?

Regina Sardoeira

O mundo, tal como o conhecíamos, acabou. A sociedade, tal como estávamos habituados a defini-la, deixou de poder inserir-se em tal definição. O homem, tal como era até agora, tem a sua vida em suspenso.

Bastou um vírus atacar a humanidade e expandir-se, velozmente, por todos os cantos, para fazer sucumbir todo um modo de viver e de estar. Nada será, doravante, igual ao que era.

Não é possível matar um vírus, nunca foi. A gripe, que conhecemos bem, essa doença que nos deixa arrasados, com febre e convoca outras enfermidades, deixando o organismo debilitado, é desencadeada pelo vírus influenza; e, embora haja vacinas, cuja base de ataque reside na investigação do último surto conhecido, ela não elimina, por completo, a possibilidade de sermos infectados pelo influenza que, entretanto, adquiriu novas formas, pela sua capacidade de mutação.

Este vírus, actualmente em ataque e designado por coronavírus, não desaparecerá, de repente, deixando o homem tranquilo e livre para aderir à sua vida anterior. Ele vai resistir. Se estivermos debilitados, fracos, com baixa imunidade, se sofrermos de outras doenças ele vai deteriorar ainda mais o organismo no qual se alojou, vai copiar o seu ADN a grande velocidade – e o corpo, frágil, não poderá fazer-lhe frente.

Virá uma vacina, mais dia menos dia. Mas, exactamente como sucede com a vacina contra o vírus influenza, ela não eliminará totalmente a possibilidade de um ataque e da sua disseminação, provocando epidemias.

O vírus – qualquer um – tem uma resistência enorme, uma capacidade intensa de se reformular e multiplicar-se. E o homem não tem nenhum modo de o eliminar, de uma vez para sempre. Porém, em nenhum momento da história dos homens a força dessas minúsculas  partículas, basicamente proteicas que podem infectar organismos vivos e são parasitas obrigatórios do interior celular pois somente se reproduzem pela invasão e possessão do controlo da maquinaria de auto-reprodução celular, pôs a humanidade, em geral, num estado de choque sem precedentes. O vírus viaja, tendo como meio de transporte o organismo de um homem, viaja confortavelmente e, no início, o hospedeiro não se apercebe que o leva consigo. Entretanto, contactou socialmente com outras pessoas, abraçou-as, participou com elas em reuniões e festas… e de repente, aqueles com quem esteve, transportaram as reproduções daquele hóspede e, no caminho, foram-no espalhando por todos os lados possíveis.

De um momento para o outro, gera-se um surto bem localizado, depois a expansão desse surto inicial leva a supor uma epidemia, mais tarde, extensivo a todo o mundo, gera a pandemia. Contra a força deste “habitante” indesejado, surgido repentinamente e totalmente desconhecido, quanto à sua etiologia e poder, a humanidade só pode proteger-se. Mas proteger-se, exactamente, de quê? Dos outros homens, dos sítios por onde eles caminharam, onde se encostaram ou simplesmente puseram as mãos. Um espirro cujas gotas nos atingem, ou um súbito e descuidado episódio de tosse podem ser suficientes para infectar as pessoas que sejam apanhadas, incautas. Ora é muito fácil percebermos que, sendo assim, os hábitos sociais com que nos deleitávamos até agora. ficarão doravante interditos.

E então, a vida humana precisará de reestruturar-se de um modo radical.

Será um risco cumprimentar um amigo ou um parente com um abraço ou um beijo. Será perigoso ir a um concerto ou a um congresso ou a uma aula sem levar connosco os aprestos necessários para nos protegermos. De quê? Daquele que se senta ao nosso lado na sala de concertos, no anfiteatro do congresso, no lugar vizinho da sala de aula.

É toda uma transformação de hábitos a que a realidade presente e futura vai conduzir-nos; ganhará quem for capaz de adaptar-se.

Esta não é, contudo, a primeira vez que a humanidade foi submetida a uma praga, depois da qual houve necessidade de reconstruir o mundo. Basta ler a história dos homens para tomarmos consciência do grande impacto que tiveram,  no desenho do mundo, doenças como a tuberculose ou a varíola ou acontecimentos como as guerras mundiais. E, de todas as vezes, os homens resistiram e levantaram o novo mundo sobre os escombros do antigo.

No entanto, apesar da história, os homens tendem a esquecer, tendem a supor que o paraíso se instalou na terra e que não haverá mais nenhuma tragédia global. Por isso não se prepararam a tempo, mesmo sabendo que a tranquilidade aparente de agora escondia, precisamente, uma ameaça deste tipo.

Creio pois que a pandemia que nos assola e angustia poderá ter um sinal positivo, poderá levar-nos a uma transformação profunda onde repensemos os nossos valores e implantemos um novo mundo. Parece assustador entendermos que tudo o que fazíamos, naturalmente, até agora, terá que ser adiado por muito tempo, talvez indefinidamente. E esta palavra, indefinidamente, soa-nos a traição. Queremos prazos, metas, datas. Não nos conformamos com este desconhecido que a todos apanhou desprevenidos, que não sabemos exactamente de onde veio para atacar-nos e para onde irá, ou se irá, depois de feita a destruição, agora patente. E esta incerteza, este prazo indefinido e sempre adiado de um final que não conseguimos avistar no horizonte, traz a marca da necessidade de nos reinventarmos.

Aliás, essa reinvenção está em curso, já não somos quem éramos, a crise, ao abater-se, obrigou-nos a percorrer outros caminhos, bruscamente, e a resistir apesar dela. Estamos vivos e actuantes, não nos resignamos ao desespero e à angústia, prosseguimos as tarefas de sempre de um modo diferente que, sem dúvida, será factor de acrescentamento. Empenhemo-nos nestes exemplos, dia a dia a acontecerem connosco ou à frente dos nossos olhos; e estaremos a construir uma humanidade nova e muito mais forte.

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *

Este site utiliza o Akismet para reduzir spam. Fica a saber como são processados os dados dos comentários.