Marco Bousende
A história sempre me fascinou. O estudo do nosso passado coletivo parece-me fundamental para perceber o que somos enquanto comunidade, interpretar a nossa cultura, os nossos interesses, as grandes questões civilizacionais do nosso tempo. Curiosamente da minha experiência de relações mais ou menos próximas, o interesse pela história é algo relativamente raro. Olhando para a sociedade ocidental, tenho impressão que aquilo que se conclui do estudo da história é que ou as comunidades e os estadistas sabem pouco de história, ou então infelizmente esta serve apenas para perceber que as sociedades aprendem muito pouco com ela.
Em 11 de novembro de 1918, a Alemanha e os Aliados assinaram o armistício da Primeira Guerra Mundial. As hostilidades na frente ocidental acabaram, sendo que as negociações se concluíram no Tratado de Versalhes em janeiro de 1920. À Alemanha, enquanto derrotada, foram impostas condições difíceis. Inicialmente não foi admitida às negociações, sendo obrigada a perder extensos territórios continentais e coloniais. O próprio Exército Alemão foi reduzido e o seu Estado-Maior substituído. Outras imposições foram feitas nos planos políticos, sociais e económicos. O Presidente Americano Wilson era desfavorável a esta dureza punitiva, mas a França, enquanto membro dos vencedores, conseguiu levar em frente o seu espírito vingativo revanchista.
Os derrotados saíram humilhados, sendo que para além da referida Alemanha, também a Hungria e a Turquia manifestaram grande desagrado com os termos do Tratado de Versalhes, que lhes infligiu pesadas condições punitivas. Este processo de paz podre traria consequências. Nos anos seguintes os nacionalistas capitalizaram estes sentimentos de humilhação que eram partilhados por parte das elites e das populações dos países derrotados. O resultado foi o término da validade do Tratado de Versalhes com a eclosão da Segunda Guerra Mundial. Esta foi liderada por Hitler, também ele um veterano da Primeira Guerra Mundial , impelido pelo ressentimento das condições humilhantes que foram impostas aos vencidos.
Nos últimos 10-15 anos, a Europa sofreu várias crises. A primeira ligada a um contexto de crise financeira, agora num contexto de pandemia sanitária.
Em março de 2017, Dijsselbloem que conta no seu C.V. com os cargos de ministro das finanças dos países Baixos e Presidente do Eurogrupo, referiu ao jornal alemão Allgemeine Zeitung que os países do sul da europa não podiam gastar o dinheiro todo em mulheres e álcool ( ‘’drank en vrouwen’’). Já no contexto da presente crise do Covid-19, o atual ministro das finanças holandês, Wopke Hoestra, teceu críticas à gestão económico-financeira dos países do sul.
Em teoria, tendo a concordar com estes protagonistas holandeses. Eles apresentam modelos económicos exigentes que preparam os países para as crises e, acima de tudo, seguindo muito do que é a herança da ética protestante calvinista, são rigorosos e tendencialmente sérios na gestão económico-financeira. Estas práticas são apoiadas pela população resultando num pais próspero e com um grande nível de qualidade de vida. Situações mais ou menos similares acontecem nos chamados países do norte da europa, que são muitas vezes acusados pelos do Sul de serem insensíveis, egoístas e até mesmo arrogantes e desumanos.
A questão que pretendo aqui fazer notar é que o importante não é quem tem razão. Os países com economias mais resilientes do Norte tem que perceber que se tiverem a mesma atitude dos vencedores da Primeira Guerra Mundial no Tratado de Versalhes, o resultado tenderá a ser similar. A Grécia foi a primeira a ser humilhada (não está em questão se com ou sem razão), reagindo com a eleição de um governo extremista entretanto domesticado e afastado. Na Polónia, Roménia e Itália os tiques autoritários sucedem-se. Os nossos vizinhos espanhóis parecem ter regressado aos tempos (quiçá nunca realmente ultrapassados) das Duas Espanhas. Uma possível bomba relógio nas terras de ´´nuestros hermanos’’, um dos países mais relevantes a nível europeu quer pela demografia, história ou economia, traz à memória os eventos pré Segunda Guerra Mundial.
Não defendo a subsidiação ‘’ad eternum’’ dos países do Sul, contudo o esfoço de desenvolvimento destes tem de ser liderado e custeado em parte pelos países do Norte. Isto é inevitável para que o projeto da União Europeia se mantenha vivo, afastando a europa de um possível regresso aos tempos sombrios da primeira metade do século XX.