Joana Miranda
Fui comprar pão, o que em altura de pandemia parece ser um dos programas mais sociais que existem. Por isso, nestes momentos gosto de estar particularmente atenta ao que as pessoas dizem e à forma como interagem. É também curioso para mim observar a forma como as pessoas de diferentes idades e culturas lidam com a pandemia e com as novas formas de vivermos em sociedade.
Mas desta vez o tema de conversa dos funcionários da padaria não era o Coronavírus, mas sim a morte da menina de 9 anos, que foi assassinada pelo próprio pai. Falavam sobre a repulsa e choque que o crime lhes causou e atiram um “O pai só pode ser doente da cabeça”. Estas afirmações deixam-me sempre bastante desconfortável e por isso tento sempre rebatê-las.
Para a maioria das pessoas há crimes tão hediondos que a única forma de os justificar é acreditar que a pessoa certamente sofreria de uma doença mental tão grave que lhe deturpou a forma de ver o mundo. Ora, isto é claramente errado, já que a maior parte dos crimes cometidos não são cometidos por doentes mentais graves. Quando falo de doença mental grave, ao longo deste texto, refiro-me a doenças como psicoses, episódios maníacos ou depressivos extremamente severos. Estas sim, poderão fazer com que o doente sinta que está numa realidade diferente da nossa, acredite em coisas que não são reais e oiça vozes ou sons que não existem e por isso que aja de forma condicionada, porque no fundo está noutra realidade. Claro que se um doente psicótico se sentir ameaçado por achar que está a ser perseguido ou por acreditar que uma voz lhe diz que a sua mãe é o demónio, poderá tornar-se violento, no entanto, é mais provável que este se sinta assustado e desprotegido e é mais comum que os doentes mentais sofram abusos do que sejam violentos. É por isso importante esclarecer este preconceito que muitos ainda têm e que só serve para manter o estigma da doença mental.
Então o que leva afinal um pai a querer matar um filho? Bem, de facto não tenho formação em Criminologia, mas se recorrermos às antigas óperas, peças de teatro e à própria mitologia romana e grega podemos ver vários motivos para homicídios no seio de uma família: ciúme, desespero, vingança, honra, acidente… A literatura existente sobre estes crimes mostra-nos motivações muito semelhantes a estas. Claro que podem existir filicídios cometidos em contexto de doença mental grave: porque os pais acreditam que algo de mal vai acontecer com os filhos se não o fizerem ou porque creem que o mundo é um lugar demasiado sombrio e perigoso para os mesmos, mas estes crimes costumam ter características particulares e temos que obter vários dados para chegar a esta conclusão.
Algo que também será importante sublinhar, é o facto da sociedade romantizar a paternidade e a maternidade. Nem toda a gente é bom pai, nem toda a gente adquiriu ferramentas para cuidar de uma criança e nem toda a gente sentirá esse amor incondicional que é “suposto” sentir. Aliando este facto a valores morais por nós considerados reprováveis é expectável que existam pessoas capazes de matar os próprios filhos por motivos que para a maioria das pessoas não são nunca justificação para nada, muito menos para um crime desta natureza.
Portanto, podem de facto existir filicídios em contexto de doença mental, mas é importante não nos esquecermos da outra hipótese: as pessoas são diferentes umas das outras, pensam de forma diferente de nós e muitas delas são cruéis. E crueldade não é doença mental…