Carla Guimarães Cardoso
Desde o início da pandemia o conceito de etiqueta respiratória passou a fazer parte do nosso léxico. E isto porque o tossir e o espirrar são os principais meios a partir dos quais se pode transmitir a infecção pelo SARS-CoV-2.
Mas porque tossimos ou espirramos?
A tosse e o espirro são actos reflexos protectores da nossa via aérea. A tosse permite a remoção de secreções e corpos estranhos do tracto pulmonar (via aérea inferior) e o espirro da via aérea superior, particularmente da cavidade nasal.
Como qualquer reflexo eles são explicados por um arco reflexo. O arco reflexo é constituído por uma via aferente (que recebe o estímulo), um centro nervoso ( que coordena o reflexo) e uma via eferente (que efectiva o reflexo).
No caso do espirro a via aferente inicia-se na mucosa nasal. Ela é composta por pequenas terminações do nervo trigémio que se distribuem na mucosa que reveste a cavidade nasal. Estas terminações são sensíveis a estímulos químicos, tácteis e mecânicos. Assim, estes ramos do trigémio, quando estimulados, activam o centro do espirro, localizado na medula espinal que por sua vez vai acionar a via eferente desencadeando a fase respiratória do reflexo do espirro. Ou seja, os olhos fecham, há uma inspiração profunda seguida de uma expiração forçada, inicialmente com a glote fechada. Isto provoca um aumento acentuado da pressão intra-torácica seguida de uma abertura brusca da glote o que provoca a saída explosiva de ar pelo nariz (como se insuflássemos um balão e subitamente deixássemos sair o ar aprisionado). Durante este acto estima-se que sejam expelidas, pelo nariz e pela boca, aproximadamente 40000 partículas entre os 0,5 e os 5μm a uma velocidade entre os 150Km/h e os 1045Km/h. É fácil perceber o potencial infeccioso de um espirro não protegido.
Aliás, desde há séculos que o espirro é visto como disseminador de doenças, por vezes de forma errada como durante a peste negra. No século catorze, em plena epidemia de peste o Papa Gregório VII declarou a frase “Que Deus te abençoe” como uma pequena prece a ser dita após cada espirro como forma de protecção para a peste.
Hoje em dia sabemos que este reflexo pode ser desencadeado nos casos de rinite, alérgica ou não alérgica (rinite infecciosa, rinite idiopática, rinite ocupacional, rinite hormonal, rinite medicamentosa) doenças do sistema nervoso central e estimulação física do nervo trigémio.
Deve-se ressaltar que o espirro não deve ser reprimido dado o risco de complicações importantes como dissecção da aorta, trombose venosa cerebral, surdez, vertigem, enfisema da órbita, hemorragia da retina, entre outras.
Na tosse os receptores da via aferente estão dispersos desde a faringe até aos bronquíolos terminais encontrando-se em maior concentração na laringe, na carina e na bifurcação dos brônquios principais. Estes receptores, de 3 tipos diferentes, reagem a estímulos mecânicos, fumo de cigarro, amónia, soluções alcalinas e ácidas, soluções hipo e hipertónicas e a mediadores inflamatórios e imunológicos. Eles vão estimular o centro da tosse, localizado no tronco cerebral que por sua vez vai activar uma série de nervos: nervo vago, nervo frénico e nervos espinhais motores de C3 a S2 os quais coordenam o movimento de uma série de músculos. Músculos intercostais, músculos da parede abdominal, diafragma, músculos do pavimento pélvico e árvore traqueobronquica e laringe. Esta activação provoca uma série de eventos que podem ser divididos numa fase inspiratória (inalação de ar), na fase compressiva (contracção dos músculos da parede abdominal, diafragma e intercostais com encerramento concomitante da laringe o que provoca uma aumento brusco da pressão intratorácica) e uma fase expiratória (abertura súbita da glote com deslocação de um grande volume de ar e consequente mobilização de secreções e/ou corpos estranhos). O tipo de tosse vai depender do local da via aferente estimulado. A estimulação dos receptores da larínge provoca imediatamente uma fase expiratória, estímulos mais baixos na via aérea provocam uma fase inspiratória mais intensa.
Durante uma tosse vigorosa a pressão intratorácica pode aumentar até os 300mmHg e a velocidade de expiração atingir os 800Km/h.
As causas mais frequente de tosse são as infecciosas, a doença pulmonar crónica (particularmente a asma) e o refluxo gastrolaríngeo.
O espirro e a tosse são mecanismos protectores para o próprio mas dada a sua natureza são fonte de contaminação para os outros no que se refere à patologia infecciosa da via aérea. A protecção da boca e nariz quando tossimos e espirramos deve ser um hábito e não uma moda COVID-19.