Joana Miranda
A semana passada ouvi um podcast muito interessante do Fumaça, onde uma senhora dizia “Às vezes, os pobres que dormem na rua tornam-se avariados da cabeça porque não têm descanso suficiente. Não dormem.”. De facto, só quando dormirmos mal nos apercebemos da falta que uma boa noite de sono nos faz. Tenho imensa empatia pelos doentes que me chegam à consulta com alterações do sono, porque sei perfeitamente o que me acontece a mim quando durmo mal.
O que é e para que serve o sono afinal? O sono é um estado neuro-comportamental que se caracteriza por uma relativa não-reação e redução de sensibilidade a estímulos externos comparativamente ao estado de vigília. Pensa-se que o sono poderá ter um importante papel na formação e consolidação da memória, na regulação das emoções e neurogénese, entre outros.
As perturbações do sono podem ser de diferentes tipos mas sem dúvida que aquela que mais me surge em consulta é a Insónia. Os sintomas de insónia são uma queixa frequente, que atinge cerca de 30% a 35% da população geral. É mais comum nos idosos e no sexo feminino. Existem vários factores que contribuem para o surgimento desta perturbação: genéticos, comportamentais, cognitivos e emocionais, que estão envolvidos tanto no desenvolvimento como na sua manutenção. A forma mais fácil de os dividir é no modelo conhecido como três “P”: factores predisponentes (ex: traços de personalidade obsessivos), precipitantes (ex: desemprego recente) e perpetuadores (ex: excessiva preocupação quanto à insónia e suas consequências).
E quando falamos em insónia falamos em quê mesmo? A insónia caracteriza-se pela dificuldade em iniciar, manter ou terminar o sono, associada a uma insatisfação relativamente à qualidade ou quantidade do mesmo. Estas dificuldades ocorrem apesar de existirem condições adequadas para dormir e para que o diagnóstico seja feito deve existir impacto no dia-a-dia do doente. Pode ser crónica – os sintomas ocorrem pelo menos 3 dias por semana e durante, pelo menos, 3 meses – ou aguda/de curta duração – duração inferior a 3 meses.
Muitas vezes a insónia não ocorre isolada, mas sim relacionada com outras patologias psiquiátricas (ex: síndrome depressivo, perturbações de ansiedade), perturbações relacionadas com a respiração, dor crónica… Nestes casos usa-se o termo insónia comórbida.
Ora é importante em primeiro lugar diferenciar uma noite mal dormida dos sintomas de insónia, já que todos nós por vezes temos noites de sono menos reparador. Habitualmente temos também a sensação de que dormimos menos horas do que na realidade dormimos. Deve-se também diferenciar a insónia das situações de privação de sono, onde não existe o tempo ou o ambiente necessário para o individuo adormecer, como acontece quando um vizinho nosso decide dar uma festa até tarde ou quando temos uma criança pequena a nosso cargo. Mas quando os sintomas cumprem os critérios de insónia, o utente deve ser avaliado e orientado por um especialista, já que as consequências da manutenção de sintomas a longo prazo podem ser graves.
A abordagem pode passar por farmacológica, não farmacológica ou ambas. A abordagem não farmacológica incluiu várias técnicas, as mais conhecidas fazem parte da chamada “Higiene do Sono” e têm como objetivo modificar o ambiente e estilos de vida que possam interferir com o sono.
Algumas medidas de Higiene do Sono são:
– O utente deve praticar exercício físico de forma regular;
– O quarto deve ser confortável, silencioso, sem luz e deve estar a uma temperatura adequada;
– Não deve ir dormir nem com fome nem demasiado cheio, não deve beber líquidos em excesso à noite;
– Devem ser evitadas bebidas com cafeína e substâncias estimulantes. O tabaco deve ser evitado antes de deitar;
– Ao contrário do que muitas pessoas pensam, o álcool não ajuda a dormir melhor, pelo que se devem evitar bebidas alcoólicas nas horas antes de dormir;
– O utente deve tentar deixar as preocupações e planos do dia seguinte “fora” da cama. Fazer uma lista num papel antes de se ir deitar pode ajudar.
Estas medidas poderão ser utilizadas por qualquer um de nós para melhorar a qualidade do nosso sono e são fundamentais nos doentes que sofrem de insónia, mesmo quando iniciam terapêutica farmacológica. Parece que o essencial é mesmo dormir bem, porque, tal como diz o povo “O sono é o alívio das misérias que sentimos acordados”.