Marta Andrade
Recuando poucos meses, ninguém imaginaria a volta de 180 graus que a nossa vida levaria em tão curto espaço de tempo devido ao maldito vírus que nos assola. Ninguém imaginaria a enorme catástrofe económica e social que estaria e está para vir, com contornos ainda inimagináveis.
O ensino não foi exceção e um desafio sem igual nos estava reservado, tanto para nós professores, como para os pais e até mesmo para quem é professor e mãe ao mesmo tempo, como é o meu caso, que tenho um filho no 1.º ano e uma filha no 6.º ano.

Ainda estava eu a adaptar-me a esta nova forma de ensino, quando o Tó, diretor do Colégio Atlântico onde leciono, no dia das mentiras (lembro-me como se fosse hoje) informou os professores que iríamos abraçar o projeto do Estudo em Casa. Tendo em conta o dia, achei claramente que seria uma partida. No entanto, o colégio tinha, de facto, sido um dos escolhidos para iniciar este novo, grande e nobre projeto.
O ensino à distância seria uma realidade para o 3.º período. Com essa certeza surgiu esta proposta: dar aulas na televisão e cumprir a missão de ajudar os alunos que não tinham acesso às novas tecnologias.

O Tó desafiou-nos e acabei por me oferecer, nesta altura ainda de uma forma completamente inconsciente porque não tinha a noção do quanto este projeto iria mudar a minha vida nos tempos mais próximos. A única certeza que tinha nesta altura é que iria enfrentar este grande desafio em parceria com a minha querida colega e amiga, Patrícia Farias, pois sabia que ela iria ser o meu porto seguro. E não me enganei!

Inicialmente, reunimos com membros da RTP e da Direção Geral da Educação para saber qual seria o formato do programa que iríamos “apresentar”. Sempre tive alguma dificuldade em falar em público mas na vida temos de nos desafiar e este era claramente um desses momentos. No entanto, foi bastante assustador saber que, não tendo nenhuma preparação para falar para uma câmara, não haveria cortes, edição ou teleponto, ou seja, era no fundo como estar em direto, ao 1.º take. Portanto, é de calcular que os nervos eram mais que muitos.

Tempo era algo que passou a ser precioso desde então, já que não o tinha, fugia entre os dedos, entre preparar e dar as aulas para os meus alunos do colégio, apoiar os meus filhos e começar este hercúleo desafio do Estudo em casa.

Tivemos menos de duas semanas para preparar as duas primeiras aulas, pensar os conteúdos para 30 minutos não se mostrou tarefa fácil, pois estas aulas de 30 minutos representam, na realidade, aulas de cerca 1h30 quando estamos numa sala de aula, com alunos a colocar as suas dúvidas e a realizar os exercícios propostos.
Pensar uma aula para o estudo em casa implicava elaborar um roteiro, no qual devíamos contemplar os conteúdos de 5.º e 6.º anos, assim como os recursos que utilizaríamos, de forma a perfazer os 30 minutos. Assim que era validado pela DGE, criávamos um powerpoint que contemplasse o que estava preconizado no roteiro. De seguida, criávamos um guião, com o nosso diálogo. Para que a aula estivesse completa, era necessário criar as fichas complementares que seriam disponibilizadas no site da RTP. Concluindo, todo este processo com o respetivo ping pong entre DGE e nós, professores, seria levado a cabo para cada uma das 19 aulas que gravámos.

Decidimos dar um “título” à aula de Português que acabou por ficar #PortuguêsEmCasa. Sim, somos professoras dadas às tecnologias e redes sociais e, uma vez que usámos hashtag no início da aula, criámos na sua sequência o #tomanota e #desafio, momentos que seriam replicados em todas as aulas. Penso que terá resultado muito bem para o nosso público-alvo.

Na véspera da gravação, eu e a Patrícia falávamos ao telefone para testarmos os tempos das aulas e treinar um pouco. Confesso que todas as noites que antecediam o dia de gravação era agitadas, era muito difícil conseguir adormecer e os pensamentos eram assolados por várias inseguranças. Claro que os nervos se notaram mais na primeira gravação e à medida que as aulas iam passando os nervos iam-se desvanecendo a pouco e pouco. No entanto, honestamente, nunca deixei de me sentir nervosa naqueles primeiros segundos quando a câmara liga e a luz vermelha se acende.

Confesso ainda que sempre que as aulas iam para o ar voltava a sentir o mesmo nervoso miudinho da gravação. Apesar de todo o nervosismo, toda a ansiedade e todas aquelas noites mal dormidas, gostei e senti-me orgulhosa do resultado final e espero que os alunos lá em casa também. O feedback que tivemos de pais e alunos foi efetivamente muito positivo, recebemos mensagens referindo que estavam a gostar bastante e isso foi muito reconfortante e deu-nos ainda mais força para continuar. E esse reconhecimento não tem preço!

Mesmo com todos os obstáculos e dificuldades que enfrentámos nestas longas semanas de Estudo em Casa, no final de tudo julgo que cumprimos a nossa missão.

Foi um enorme privilégio fazer parte deste projeto, fazer parte da história que se fez no nosso país. Aprendi que os obstáculos são sempre passíveis de ser ultrapassados e que devemos sempre ter a coragem de abraçar um novo desafio pois faz-nos crescer, fez-me crescer.

Quero ainda deixar um especial agradecimento à minha querida Patrícia Farias, sem a qual não seria possível concretizar este sonho, uma parceira sem igual, com quem partilhei angústias, frustrações, alegrias e gargalhadas.
À minha cara metade também deixo o meu eterno obrigada, a ele que me apoiou em todos os momentos e me animou quando estava mais cansada, dizendo “estou muito orgulhoso de ti”.
Tal como terminei a nossa última aula e parafraseando o mestre Jorge Palma, enquanto houver estrada para andar, a gente vai continuar.
Sejam felizes!