Regina Sardoeira
Acontece-me, de vez em quando, aceder a um estado dormente, principalmente agora que os 30 e muitos graus da temperatura do Verão me entorpecenm os membros. A dormência dura algum tempo, até que uma certa frescura da noite me revitaliza. Depois, não tenho sono – e é como se o dia começasse, então, nas horas de silêncio, de estrelas e de lua.
Ao contrário dos outros – dir-,me-ão – em contra ciclo relativamente à natureza. Mas qual natureza?
Não acredito naquilo a que chamam a natureza humana, tenho dificuldade em fazer uma lista de tudo o que é intrinsecamente humano, tão intrinsecamente humano, que não encontre paralelo algum com as outras espécies. Ou melhor: agora, que penso realmente nisso, descubro um aspecto, presente nos homens e, aparentemente, ausente nos restantes animais – o seu carácter pernicioso em relação ao que o rodeia e de que faz parte. É esta, afinal, a diferença específica, não a racionalidade, como quis Aristóteles – e a fórmula poderia ser : O homem é um animal pernicioso.
A dinâmica organizada da natureza faz com que todas as espécies sejam elementos vitais na estrutura do planeta e daí decorre que, se uma delas se extinguir, logo o mundo reage, apresentando sinais de desequilíbrio. E o homem é, quase sempre, a causa da ruptura da harmonia natural, o responsável pelas catástrofes ambientais, o vírus corruptor da saúde do todo.
A razão, que, aparentemente, nos foi outorgada, à revelia das restantes espécies, não passa de um logro.. Razão é ordem, equilíbrio, sensatez, razão é consciência, responsabilidade, conhecimento. De tudo isto o homem é capaz – mas também do seu oposto.
Na desordem, no desequilíbrio, no jogo insensato, na fundura inconsciente podem eclodir rasgos de génio. Mas o génio é uma excepção, um rasgo de fulgor no cinzento das massas, um meteoro efémero que, certamente, irrompe de regiões inumanas. O génio é um ente solitário, obrigado a coabitar no seio das multidões, um ser desajustado da racionalidade, instituida como arquétipo de tudo o que é humano. O génio não é, de todo, um homem.
Resta, por isso, a natureza, que grita, em apoteose, a urgência da sua vitalidade, a natureza, seguindo os seus planos nunca pensados, mas para sempre instituídos, a natureza, rompendo do asfalto, procriando nos postes de iluminação, fazendo o ninho nos telhados, a natureza sábia e honesta. E depois o homem e o seu mundo construído em desajuste, o homem espalhando incoerência e ignomínia pelos cantos dessa sua construção, o homem, o animal pernicioso.