Carla Guimarães Cardoso
Os corticoesteroides são uma classe de substâncias químicas que englobam hormonas naturalmente produzidas pelo nosso organismo e outras sintetizadas laboratorialmente. Foram identificadas em 1935 e desde essa data o seu uso tem variadíssimas indicações terapêuticas.
Nas glândulas supra-renais são produzidos os glucocorticoides, na zona fasciculada, os mineralocorticoides, que regulam o equilíbrio electrolítico e hídrico na zona glomerular, e as hormonas sexuais femininas e masculinas, nas zonas fasciculada e reticular. Todas elas têm como substracto base o colesterol.
O cortisol é o glucocorticóide endógeno, a aldosterona o principal mineralocorticoide e a progesterona, o estrogénio e a testosterona as principais hormonas sexuais.
O facto de todas estas hormonas terem a mesma base (metabolismo do colesterol) explica os efeitos secundários e reacções adversas associadas ao uso farmacológico de cortisol e dos seus análogos sintéticos. Estas subtâncias sintéticas para além do efeito glucocorticoide podem ter um efeito mineralocorticoide variável.
A dexametasona é um análogo do cortisol com uma potência de acção 25 vezes superior a este e praticamente sem efeito mineralocorticoide associado. Foi criada em 1957 e é considerado um corticoide de longa duração de acção.
A produção endógena de cortisol, feita na zona fasciculada da supra-renal, é regulada pela hipófise através da produção de ACTH e esta por sua vez é comandada pelo hipotálamo através da produção de duas neurohormonas o CRF e o AVP. Assim o hipotálamo liberta CRF e AVP que vai actuar sobre a hipófise levando à produção e libertação de ACTH. Este actua sobre a supra-renal desencadeando a produção de cortisol. O cortisol por sua vez vai actuar sobre o hipotálamo fazendo parar a produção de CRF e AVP. Temos assim um mecanismo de autocontrolo denominado eixo hipotálamo-hipófise-adrenal.
A produção de cortisol não é constante durante todo o dia. Ela obedece a um padrão circadiano dependente da alternância dia-noite e vigília-sono. Os valores de cortisol são maiores de manhã, com níveis máximos entre as 4 e as 6 da manhã, e mais baixos à noite. Os trabalhos por turnos e as viagens longas de avião alteram este padrão com os efeitos adversos já conhecidos.
A produção de cortisol aumenta de forma autónoma, não relacionada com o ritmo circadiano ou com a regulação do eixo hipotálamo-hipófise-adrenal com o stress físico (traumatismo, exercício, cirurgia), com o stress fisiológico (febre, hipoglicemia, hipotensão) e com o stress psicológico (dor, ansiedade, medo).
O cortisol e os seus análogos sintéticos actuam praticamente sobre todos os órgão e processos metabólicos do organismo. Regulam o metabolismo dos hidratos de carbono, das proteínas e dos lípidos. Interferem com o metabolismo ósseo do cálcio, com a regulação da pressão arterial e da pressão intra-ocular, com o nosso humor para além de muitos outros. Contudo o seu mais importante efeitos do ponto de vista terapêutico é a sua acção anti-inflamatória e imunossupressora.
Os glucocorticoides interferem com inúmeros passos da cadeia inflamatória. A sua acção ocorre a nível do núcleo da célula com a supressão ou a activação de genes envolvidos no processo inflamatório. É exactamente este efeito que justifica os seus bons resultados no tratamento de doentes graves com Covid-19. Pensa-se que nestes doentes há um estado hiperinflamatório comparável ao que ocorre numa patologia hematológica rara – linfohistiocitose hematofagocítica. Assim, o uso de dexametasona vai provocar uma supressão do sistema imunitário aumentando a taxa de sobrevida destes doentes. Em contraste, se usada em doentes sem Covid-19 grave a imunossupressão vai pelo contrário potenciar a replicação vírica e agravar a infecção.
Dada a sua ampla gama de acções no nosso organismo o uso continuado de corticoides no tratamento de qualquer patologia tem também efeitos secundários importantes. O objectivo de qualquer tratamento com corticoide é sempre o de usar a dose mais baixa e durante o menor período de tempo que permita alcançar o efeito desejado. Isto porque os efeitos secundários da corticoterapia estão relacionados com a potencia do corticoide usado, a sua dose e o tempo de administração.
Usados de forma criteriosa os corticoides são sem dúvida um dos nosso melhores aliados, principalmente quando queremos controlar respostas imunitárias descontroladas em intensidade ou em relação ao alvo.