Regina Sardoeira
Eu gosto do verão, destes dias cálidos, de cores intensas. Gosto, decerto, porque este é o mês do meu nascimento e o ar inebriante que me viu nascer moldou-me, sem dúvida, o carácter. Gosto do verão com sol de manhã à noite, água fresca e fruta vermelha e estas cores – o amarelo, o azul, o rubro – associadas ao sol, à água, aos frutos, tornaram-se símbolos com os quais revisto os meus espaços e me revisto também.
O verão é, assim, um momento breve de esplendor em que a natureza atinge o seu clímax, após uma longa hibernação criativa, urdida nas entranhas. E tudo, em torno de nós e em nós , reproduz esse ciclo mágico de ocultação e desocultação na dinâmica esfusiante da vida.
Estamos vivos, pertencemos a este prodígio, revelado nas luzes radiantes de todos os crepúsculos que nos vão acontecendo, e, envolvermo-nos em trevas e medo quando a luz do sol torna vivo tudo quanto existe, parece-me uma espécie de sacrilégio. Medo, debaixo do azul, na pungência do ocaso, em auroras cristalinas, no ondular das vagas?
E eu vejo ondas de medo que crescem nos olhos das gentes, acosssdas em dúvidas, raios de medo, ao revés do fulgor que inebria a tarde, pegadas de medo que se arrastam, coladas às paredes, buscando a sombra.
O medo é paralisia, o medo estarrece-nos no limiar da loucura, o medo insurge-se contra a vida, essa, que, acima de tudo, urge preservar.
O medo (sabem,?),o medo é construído, nasce da consciência incompleta com que fomos dotados, um certo dia, e nos fez pressentir o mistério. Desconhecemos quase tudo, de nós, dos outros, do mundo. Implantamos teorias, mitos, certezas nossas, nessas zonas recônditas que a nossa vista não enxerga. Arvoramo-nos em conhecedores e debatemos teorias, mitos, certezas nossas, rebatemos as teorias, os mitos, as certezas de outros, envolvemo-nos em lutas estéreis e desperdiçamos a fruição de nós próprios e do sol e das cores.
Irradiar o medo das mentes, a nossa e a de todos, e permitir-lhes que se abram à vida com a sua inviolável plenitude e o seu inerente segredo, parece-me ser a tarefa premente da hora que vivemos. Só desse modo será possível retomar o tempo que temos e fruir este presente de luz e de temperaturas cálidas.