Regina Sardoeira
Curiosamente, foi necessário que um vírus, verdadeiro ou falso, de geração espontânea ou criado em laboratório, extremamente mortífero, ou não mais do que outras pragas, extintas ou não, surgisse, subitamente, e provocasse alterações no modo habitual de viver dos humanos, para que, de imediato, a visão apocalíptica tomasse conta da cena.
Aquecimento global, deterioração do planeta, extinção das espécies selvagens, corrupção dos agentes políticos, violência de todos os géneros, alterações climáticas e tantas outras tragédias criadas pelo homem ou decorrentes da dinâmica natural, tudo isso pareceu desabar, bruscamente, sobre as consciências.
Ora todas estas realidades têm vindo a acontecer há centenas, há milhares de anos. Nada permaneceu estático no nosso mundo, na nossa vida, no curso dito normal dos acontecimentos para, de repente, desabar perante nós, num movimento inusitado e brutal. A mudança é contínua, do mesmo modo que o é a nossa existência individual.
Nascemos, um certo dia, e, desde esse momento original, começámos, de imediato, a decair, vamos sofrendo desgastes múltiplos, irreversíveis ao longo de várias dezenas de anos, para nos extinguirmos, de igual modo, um certo dia. Algumas pessoas passam pela vida num progressivo e harmónico desenrolar; outras vivem tempestades, tragédias, altos e baixos, para, por fim, desaparecerem também da cena da existência.
A Terra está viva, também ela nasceu e, no decorrer dos milénios, foi sendo submetida à lei de tudo o que vive. Cataclismos naturais, grandes desastres, extinções e aparições, mudanças visíveis ou obscuras no seu âmago fazem parte da evolução de um grande organismo e, sem dúvida, a sua extinção ocorrerá num certo dia.
Se o homem, com a sua própria intervenção activa, no trânsito do mundo, foi prejudicando o seu próprio mundo, talvez apressando o desenlace inevitável da sua única morada, essa é, ainda, uma circunstância óbvia, para quem estiver atento.
O surto pandémico , pelo carácter de que se revestiu, criado em função de interesses, também eles humanos, ou surgido como sinal de qualquer coisa mais ameaçadora, no horizonte, criou um novo estado de alerta. Nem todos o terão levado igualmente em conta; mas eu consigo ver, um pouco por todo o lado, a consciência de que o mundo dos homens e a Terra em que habitam, lançam um potente gemido para os ares.
Que podemos fazer para salvar a Terra do colapso? Nada, realmente, à semelhança da nossa incapacidade individual para prolongar indefinidamente a nossa vida.
O caminho é de um único sentido, não é possível recuperar a frescura original de uma Terra recém-nascida ou o vagido inicial da nossa vinda ao mundo. A viagem está aí, desenhada à frente de nós: de pouco servirá fabricar ilusões ou inventar panaceias.
Convençamo-nos, então, de que o mundo em que vivemos é, afinal, o único que podemos ter, não entremos em desespero, não façamos cedência à indiferença ou à leviandade. Com os pés assentes na terra e acompanhando o ritmo sereno da Terra, entreguemo-nos à vida com a lucidez consciente que nos fez humanos.