Mateus Oliveira
O título da minha crónica de hoje foi “roubado” da entrevista que, em Maio, Mia Couto deu ao jornal brasileiro Diário Pernambucano e sustenta na perfeição o que aqui escrevo, afastando-me – pela primeira vez – da Arquitectura.
De facto, ouvimos amiúde, durante o período de confinamento inerente à pandemia que atravessamos, que todos iríamos sair melhores – enquanto pessoas e, consequentemente, enquanto sociedade – de um momento particularmente difícil das nossas vidas. Nada mais errado. Disse, sempre, que nada iria mudar. A essência de cada um de nós levar-nos-á sempre àquilo que verdadeiramente somos. E esse é o cerne da já referida entrevista de Mia Couto, o biólogo fazedor de palavras.
Nestes quatro meses de vivências condicionadas, fomos percebendo que o mundo não mudou… vai-se adaptando. E nós muito menos. Podia sustentar as palavras que aqui partilho convosco com casos reais e demasiado sérios e, inevitavelmente, mais fáceis. Mas não. Vou fazê-lo com um exemplo fútil. Porque até nas frivolidades da vida, teimamos em permitir que emerja o mais mesquinho de nós.
Em boa verdade, o exemplo que inicialmente me propus tratar era o futebol. Esse desporto incrível que tantos dizem amar, mas que – insistentemente – teimam em arrastar pelo pântano. O futebol, para a generalidade dos adeptos, há muito que deixou de ser um “lugar” de paixão. É agora lugar de extravasar frustrações transvertidas de entusiasmo e amor por um símbolo que 11 privilegiados têm o prazer de carregar ao peito. Vejo, quase diariamente, esse vomitar de desonestidade intelectual nas redes sociais, onde – por exemplo – um professor insulta gratuitamente e com manipulação de factos os adeptos de outro clube ou um advogado partilha documentos falsos e fake news para sustentar opiniões. Nunca perceberei – NUNCA – como é que num momento de exaltação daquilo que os “nossos” (sejam eles quais forem) conseguiram se prefira mencionar os “outros”. Há-de ser um qualquer complexo de inferioridade… a psicologia saberá explicar isto. Por isso, lá está, nunca me faria entender através de um exemplo que, quanto muito, serviria apenas para que o meu texto acabasse subvertido no seu próprio propósito.
Assim, pego na Cristina Ferreira e naquilo que a sua mudança profissional me permitiu ler do nosso momento actual enquanto sociedade. Não sou consumidor dos produtos televisivos (ou outros) da Cristina, mas – como qualquer português que não viva numa caverna – tenho a perfeita noção do que faz, de como faz e do impacto que tem nas audiências e nas vendas das marcas que, formal ou informalmente, representa. Há – culturalmente – em nós portugueses um lado mesquinho que nos faz ver com profundo desdém (inveja…) alguém que se consegue sair bem na vida. E, convenhamos, não é normal que alguém que é mulher nascida fora da esfera de influências que gere este país tenha conseguido – exclusivamente à custa do seu trabalho – ter o poder que hoje a CF tem. De facto, do que julgo saber, CF não nasceu num berço de ouro. Para além do talento e de ter trabalhado muito, teve o mérito e a capacidade de não se acomodar. O que a levou ao cerne de toda esta questão: o valor de CF não reside no canal ou no programa que representa/apresenta, reside na marca pessoal que foi capaz de criar e que é, isso sim, uma enorme mais-valia para quem a contrata.
A verdade é que estamos todos tão desabituados de ver reconhecida a meritocracia que o que é suposto ser natural é o que nos faz “confusão”. A generalidade das entidades patronais – privadas, mas sobretudo públicas – são incapazes de reconhecer valor. E, como tal, nunca vão perceber que os melhores ser-lhe-ão sempre gratos pelas oportunidades que lhes dão. Ou, pelo contrário, se arriscam perdê-los definitivamente.