Paulo Lopes e Susana Almeida
O desafio…
O convite chegou com um telefonema do senhor Secretário de Estado da Educação, João Costa. O repto era simples, mas o desafio imenso, contribuir para encontrar uma solução para os alunos que não tinham ao seu dispor os meios de comunicação que os ligassem aos seus professores. Num espaço de pouco mais de uma semana estávamos em estúdio a gravar as primeiras aulas, sem formação, cortes, edições ou tempo para adaptação.

O desafio foi aceite no mesmo dia após uma reunião por videoconferência com toda a equipa de professores do agrupamento. Obviamente, que existiram muitos receios compreensíveis, medo de falhar, da exposição mediática, do desconhecido, do formato e até das câmaras.
Contudo, os docentes do Agrupamento entenderam a missão e perceberam que Portugal chamava por cada um e que era preciso arriscar a bem de algo maior, os nossos alunos.

O nosso agrupamento teve a seu cargo 14 disciplinas dos 3.º e 4.º anos e do 9.º ano de escolaridade, assim como, a oferta de Espanhol como segunda língua para todo o 3.º ciclo.
Foram perto de 70 docentes que abraçaram este projeto, nem todos pivôs, mas foram muitos os que estiveram na retaguarda a produzir materiais e a preparar em conjunto os trinta minutos que se apresentavam em cada aula do #EstudoEmCasa.

As equipas foram formadas tendo por base os anos e disciplinas que leccionam e que estão no âmbito da sua distribuição de serviço.
O relato da experiência…

Um estúdio de televisão, como o estúdio do #EstudoEmCasa, e apesar de, por imposições de segurança, estar reduzido a um conjunto mínimo de técnicos, é sempre algo que não nos deixa indiferente. As gravações aconteceram nos estúdios da RTP, no caso no mesmo estúdio do Preço Certo, onde gravámos, de cada vez, duas aulas mas que representavam horas e horas de trabalho de vários profissionais dedicados e empenhados.

Tudo isto nada tem a ver com o trabalho a que estávamos habituados. Na escola temos olhares, temos feedback, temos regulação, percebemos quando os alunos não entendem, quando não estão bem, quando algo lhes tolda o discernimento, quando precisam de um reforço, de uma palavra amiga, enfim quando o professor faz a diferença.
A adaptação a esta mudança foi feita de forma gradual por cada equipa e no decurso do seu trabalho, aprendendo com os erros, melhorando e corrigindo os aspectos menos conseguidos.
Um professor sente-se confortável com os seus alunos, é para eles e por eles que trabalha.
Um espaço sem alunos, sem a sua alegria, é um espaço sem emoção. A aprendizagem ocorre na relação, na relação entre alunos e professor, entre pares e muitas vezes envolvendo pais, encarregados de educação e parceiros.
Ninguém desejava passar por momentos tão difíceis como estávamos todos a passar, não apenas na educação, mas sim todo um país que sofreu. As empresas em dificuldades, os profissionais de saúde que deram e dão tudo o que têm, assim como, os profissionais de segurança, os bombeiros, camionistas, tantos e tantos outros que nos mostraram a força de ser português.

Os professores, na sua quase totalidade, revelaram igualmente uma entrega ímpar, demonstrando uma missão de serviço público fantástica. Com este contexto, a nossa equipa só podia carregar a camisola da seleção e entregar-se à missão que é nossa mas em nome de todos.
O #EstudoEmCasa visava disponibilizar blocos pedagógicos de larga escala que chegassem a casa dos alunos que não tinham acesso à internet e por isso não tinham contacto direto com os seus professores, nem com a escola, e visava, também, disponibilizar um conjunto de recursos que os professores pudessem incluir, caso desejassem, à sua planificação de trabalho, no âmbito desta espécie de ensino a distância.

O ensino remoto de emergência (ERE), usualmente designado por ensino a distância (E@D) foi, nestes tempos, o grande desafio dos professores de quase todos os países. A forma como planeava um ensino não presencial não podia ser igual à mera reprodução, via internet, do que tínhamos nas diferentes salas de aula.
O E@D tem características muito próprias e deve ser encarada, por cada escola ou agrupamento, tendo em consideração a sua realidade e a estratégia educativa adotada. Num espaço de tempo tão reduzido era impossível fazer melhor.
Tanto no #EstudoEmCasa, como nos planos de cada docente no âmbito da estratégia adotada pelas escolas ou agrupamentos para o ERE, os métodos e formas de trabalho tinham de se ajustar a esta nova realidade, percebendo que existem enormes diferenças entre este processo e o regime presencial de ensino.
No caso do “EstudoEmCasa, a forma como foram planificadas as sessões apresentava ainda mais particularidades, pois este tipo de recursos destinava-se a alunos que não conhecíamos, com os quais não tínhamos relação e que tinham professores com diferentes opções pedagógicas e que assumiram, como seria de esperar, distintas formas de gerir o currículo.
As opções assumidas

A equipa de matemática era constituída por um grupo de professores experiente que assume, usualmente, a tecnologia como instrumento no processo de aprendizagem. Sabíamos que o público-alvo a que se destinava este trabalho não tinha os recursos que costumamos utilizar. Sabíamos que era importante proporcionar experiências pedagógicas ricas e diversificadas. Assim, assumimos que os blocos deveriam ter desafios que deixássemos para o bloco seguinte e os quais orientariam cada um dos blocos. A par desta opção introduzimos a utilização da tecnologia como forma de exploração de relações e de conexões entre os temas, desde o geogebra, à folha de cálculo ou até à utilização da tecnologia inserida no Active Painel que tínhamos à disposição. Os materiais multimédia construídos pela equipa procuraram dar um maior dinamismo às aulas e, ao mesmo tempo, deixar disponível um conjunto largo de recursos que podem vir a ser utilizados pelos professores que assim o entendam. Estamos a trabalhar neste campo.

As diferenças com a tradicional telescola
É importante reforçar a ideia que o #EstudoEmCasa, bastante diferente da antiga telescola, foi apenas um de muitos recursos e que não deve, em condições normais, substituir o regime presencial.

A comparação entre este conjunto de recursos e um sistema enraizado e profícuo de ensino pode ser perigosa. Os seus propósitos são diferentes e não devemos, na minha opinião, sequer equacionar a possibilidade de o adotar como sistema a privilegiar, muito menos no presente modelo. Convém relembrar que até a antiga telescola era presencial e tinha o acompanhamento de dois professores de áreas distintas. A aprendizagem precisa da relação e é na relação que se aprendem os conteúdos de cada disciplina, que se rotinam as mais diversas competências mas, acima de tudo, que vivenciam experiências sociais, que se aprendem a respeitar diferenças, enfim que o ato educativo ocorre na sua plenitude.