Carla Guimarães Cardoso
A vacina para a COVID-19 tornou-se o Santo Graal dos tempos que vivemos. Mas o que é uma vacina, qual é o processo para o seu fabrico?
Nas décadas de 80 e 90 do século XIX Robert Koch estabeleceu que cada infecção era provocada por um agente infeccioso específico e descreveu o processo através do qual esse agente pode ser identificado. Assim, o organismo suspeito tem que estar presente em todos os casos da doença, o organismo pode ser isolado e cultivado em laboratório, se a cultura de laboratório for administrada a um animal ele vai desenvolver a doença em causa e o agente pode novamente ser isolado no animal infectado e o processo repetido.
No mesmo período os cientistas reconheceram que a dispersão de uma doença depende da exposição de indivíduos susceptíveis ao agente infeccioso.
Foi assim descrita a cadeia de transmissão das doenças infecto-contagiosas. Esta cadeia pressupõe a existência de um agente patogéneo, um reservatório (local onde o agente vive), um modo de transmissão e um hospedeiro susceptível. O controlo de qualquer doença infecto-contagiosa tem por base o controlo de cada um destes elos da cadeia. A eliminação do agente infecioso assenta na limpeza, desinfecção e esterilização. A eliminação do reservatório é conseguida, por exemplo com a eliminação dos mosquitos no caso da malária. O terceiro elo pode ser controlado com o uso de máscaras e luvas ou a adopção de períodos de quarentena. A vacinação é responsável pelo último elo, diminuição do número de hospedeiros susceptíveis à doença.
A imunidade refere-se ao estado de protecção contra um agente infeccioso conferido por uma resposta imunitária desencadeada por imunização ou infecção prévia ou outro processo não imunológico. A imunidade pode ser activa, há exposição do indivíduo a um antigénio (partícula do agente infeccioso capaz de provocar uma reacção imunitária), e natural (exposição a um vírus ou bactéria) ou activa e adquirida, como ocorre na vacinação. Ou pode ser passiva natural, como ocorre no aleitamento materno em que o bebé recebe IgG (tipo de anticorpo, célula de defesa) da mãe, ou passiva adquirida em que é administrado ao doente IgG.
As vacinas podem ser classificadas em quatro tipos dependendo da natureza dos antigénios (ag) usados. Relembro que os antigénios são componentes do agente infeccioso que são capazes de desencadear uma resposta do nosso sistema imunitário.
Temos assim vacinas vivas atenuadas, mortas ou inactivadas, toxóides e subunitárias.
Adicionalmente as vacinas contém outros componentes denominado excipientes. Podem ser adjuvantes, que potenciam a resposta imunitária desencadeada, estabilizantes e conservantes, que garantem a estabilidade do produto, e veículos, ou seja o meio em que os componentes são dissolvidos para administração.
As vacinas vivas atenuadas são obtidas pelo cultivo do agente infeccioso em meios ou animais com características diferentes do ser humano. O objectivo é obter um agente vivo, que mantenha a capacidade de se reproduzir e induzir uma resposta imune mas que não provoque doença. São exemplos deste tipo de vacina as vacinas contra o rotavírus, varicela e VASP (sarampo, papeira e rubéola). Uma das desvantagens deste tipo é o de poderem induzir um quadro semelhante à doença infecciosa por que são responsáveis, particularmente em doentes imunodeprimidos.
Nas vacinas mortas, no caso de vacinas contra bactérias, ou inactivadas, no caso de vírus, o patogéneo foi submetido a agentes físicos ou químicos não tendo a capacidade de se reproduzir ou de induzir doença. Estas vacinas em regra necessitam da administração de várias doses. Como o agente perdeu a capacidade de se multiplicar a quantidade inoculada não é suficiente para induzir uma resposta imunitária suficientemente forte e duradoura. Têm assim que ser feitos um ou mais reforços ao longo da vida. É exemplo a vacina contra a hepatite A.
Algumas doenças são devidas à toxina que o agente infeccioso liberta, como o caso do tétano ou da difteria. Esta substância tóxica pode ser alterada de modo a que se torne inócua para o indivíduo mas que consiga desencadear uma resposta imunitária sendo usada para vacinação. Assim, a resposta imunitária desencadeada vai ser contra a toxina, impedindo a sua acção no corpo humano. Em regra estas vacinas também necessitam de múltiplas doses e também por limitação da quantidade de toxina modificada que é administrada em cada dose.
As sub-unitárias usam uma parte do agente em vez de todo o agente. O desafio é identificar a proteína ou polissacárido do agente infecioso (denominado antigénio) que vai ser capaz de induzir uma resposta imunológica eficaz e prolongada. Após identificado o antigénio este pode ser produzido recorrente a engenharia genética, como ocorre na vacina contra a hepatite B e contra o HPV. Ou seja, por manipulação genética recorre-se a leveduras que vão produzir o antigénio identificado. Este processo torna mais rápido o fabrico da vacina.
Após administração da vacina, qualquer que seja o tipo, o nosso sistema imunitário vai reagir à mesma como se de uma verdadeira doença se tratasse. Ou seja, vai haver produção de anticorpos específicos para o antigénio apresentado e formação de linfócitos T e B que vão manter a “memória” de como combater a infecção. Em contágios futuros esses linfócitos são reactivados permitindo uma resposta imunitária mais rápida e eficaz prevenindo o aparecimento da doença.
Em todo o mundo os laboratórios produtores de vacina estão a testar diferentes antigénios de modo a identificarem quais ou qual será aquele que vai ser capaz de induzir uma resposta imunitária eficaz e duradoura contra a COVID-19, ou seja, qual o que vai levar à produção de anticorpos capazes de não permitir a doença e de linfócitos que mantenham a memória de como a combater.