Mateus Oliveira
Há algum tempo que Francisco Geraldes insiste em subverter a imaginário público do que é um jogador de futebol. Usa, amiúde, os transportes públicos e é muitas vezes “apanhado” a ler. Normalmente livros com enorme densidade, como são exemplos “A Denúncia”, do norte-coreano Bandi, ou o “Ensaio Sobre a Cegueira” do nosso Saramago. Por estes dias, li esta breve crónica que ele escreveu na página Comunidade Cultura e Arte* e propus-me, a partir daí, fazer uma reflexão que aqui partilho convosco sobre duas ideias que estão inerentes a isto.
A primeira delas é, precisamente, elencada à forma como comecei este texto. De facto, estamos tão habituados a rótulos e a rotular pessoas e, a partir, daí formular – consciente e/ou inconscientemente – juízos que rapidamente nos fazem cair no erro de não nos permitirmos perceber efetivamente determinadas pessoas. Somos, culturalmente, tão formatados para o “senhor engenheiro” que muitas vezes subvalorizamos pessoas carregadas de essência que, sem esse pedigree bacoco, nos acrescentam tanto. “Oh, sempre a conversa da essência…”, dirão alguns. “Sim, sempre e para sempre a conversa da essência”, respondo e responderei eu.
A segunda tem a ver, objetivamente, com a riqueza de conteúdo do pequeno texto de Francisco Geraldes e da lição que lhe tem intrínseca. Convido-vos, nestes tempos de ócio, a gastarem 5 minutos do vosso tempo a lê-lo. É, inquestionável e lamentavelmente, verdade – e consequentemente factual – a ideia de que vivemos um período parco em valores, em que tudo se torna descartável e onde precisamos de muito – do ponto de vista material – para criarmos uma angustiante felicidade artificial. O carro novo compra a sensação – falsa mas supostamente equivalente – de um simples copo de vinho bebido na companhia certa algures por aí; o robot de cozinha de última geração é um bem fundamental, mesmo que se compre comida fora e não se vivencie a riqueza emocional que pode estar inerente a uma refeição partilhada; ou as contas do banco gordas e as taxas de juro altas que se tornam o cerne de tantas preocupações (afinal é aqui que o materialismo tem morada e os números mais ou menos altos são o barómetro dessa pseudo-felicidade vazia), nem que para isso se hipoteque a qualidade de vida – sobretudo emocional – dos filhos…
Como tão bem escreve Francisco Geraldes, lamentavelmente “Não percebemos que é neste jogo de cuidado e carinho pelo que é nosso, nesta construção de relações, na superação de momentos mais difíceis, que está a melhor parte da vida”.