Mateus Oliveira
Por uma questão meramente circunstancial, a publicação do meu artigo para o mês de Setembro coincidiu com o dia do meu aniversário. Essa feliz casualidade fez-me sentir uma responsabilidade particular em relação ao assunto sobre o qual iria escrever. Ou melhor, uma especial autorresponsabilidade no sentido em que esta crónica me deixou particularmente inquieto e se tornou uma espécie de exercício de autoconhecimento através de um conjunto de palavras que façam sentido para quem me lê. Ou melhor, de forma muito antagónica, proponho-me – a partir de uma análise reflexiva e relativamente íntima – abordar situações intrínsecas a mim, mas nas quais a maioria das pessoas que me dá o privilégio de me ler se possa rever. No fundo, uma autorreflexão que se pretende hétero.
Tenho, como sabe quem verdadeiramente me conhece, um enorme fascínio pela vida. E, na vida, pelas pessoas. E, por isso, proponho-me frequentemente (sobranceiramente, se calhar…) tentar perceber as pessoas e, inevitável e consequentemente, as suas atitudes. Fascinam-me muitas, pelo caráter, pela densidade, pelo trato fácil e humilde, pela inteligência, pelo sorriso e pela honestidade intelectual que põem no que fazem, no que dizem e – sobretudo – no que são. Desencantam-me outros, relativamente a quem tinha expectativas – não correspondidas – sobre a sua forma de ser e estar. Tento percebê-los e, muitas vezes, justifica-los. Todos falhamos uns com os outros e, muitas vezes, com nós próprios. Faz parte e eu falho mais vezes do que gostaria. Enojam-me outros. Poucos, felizmente. São os que vivem do aparente… que julgam sem saber… que vivem a vida de dedo em riste à vida dos outros para que não se fale da deles. Enoja-me, sobretudo, a sua falta de carácter e a mesquinhez. Como diz o genial Palma, são capazes de “subornar os próprios filhos”. Tenho-lhes pena. São o exemplo perfeito daquilo que não quero ser. E, curiosamente, às vezes é bem mais fácil saber-se o que não se quer ser.
Percebo, a cada ano, o privilégio que é ter afetos sinceros de familiares e amigos que estão lá. De olhos fechados. Sou-lhes tão grato que, às vezes, nem acredito na sorte que é ter esse seu carinho incondicional. Sei encontrar, na música, na arquitetura ou num copo de vinho, momentos de introspecção e de encontro comigo mesmo incrivelmente prazerosos e que me permitem acrescentar peças ao puzzle que constitui a essência da minha realização pessoal e profissional. Entendo que a angústia e a ansiedade permanentes são inerentes à constante insatisfação na procura daquilo que verdadeiramente me preencha. Percebo que, frequentemente, essa minha busca constante pela felicidade possa ser incompreendida. É uma espécie de preço a pagar nesta vontade incessante de querer ser sempre mais do que soube ser até hoje a todos os níveis.
Seja como for – e perdoem-me, mais uma vez, este antagonismo de ter mergulhado num tema particularmente denso, como é a dimensão introspectiva da vida, de uma forma bastante superficial – procuro lembrar-me todos os dias de uma coisa: a minha religião é sonhar. E, como diz o “meu” querido Corto Maltese, a minha sorte sou eu que a faço. Sou um sortudo.