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ENQUANTO HOUVER HOMENS E TEARES

Joana Benzinho

Na Guiné-Bissau são conhecidos por “panu di pinti” e dão cor aos corpos, aos mercados e aos estendais improvisados nas casas das tabancas, pela estrada fora. São confecionados em compridos teares artesanais, debaixo da sombra do mangueiro por homens, sempre por homens, que passam o conhecimento e a técnica para a descendência masculina da comunidade.


Este pano, símbolo nacional da Guiné-Bissau é tecido essencialmente pelas etnias papel e manjaca e é usado nas cerimónias tradicionais que atravessam toda a vida da sociedade. Servem para celebrar o nascimento, os rituais de iniciação, o pedido de casamento, o batismo, o matrimónio e também a morte. Nesta, em particular na etnia papel, escolhem-se os mais belos panos de pente para embrulhar o cadáver antes de descer à terra. É uma homenagem de profundo simbolismo e revelador do estatuto social alcançado, ter vários panos a envolver o corpo que se despede da vida terrena. Funerais há em que familiares e amigos se acotovelam para ver se o seu pano é um dos escolhidos, tantos que são os exemplares.

Estes “panu di pinti” de padrões coloridos e muito diversos integram desde formas geométricas a dizeres inscritos com o fio e o tear, muitas vezes invocando Deus (“Deus é garandi”) a Rainha Okinka Pampa, factos da vida contemporânea que se querem agraciar ou provérbios da cultura guineense.

Cada “panu di pinti” é uma obra de arte única, burilada durante muitas horas algures numa tabanca guineense, trazendo consigo todo o peso da cultura, da tradição e do simbolismo do país. É talvez o maior tesouro que um guineense pode ter em casa. Quantos mais panos tiver maior e mais reconhecida a sua prosperidade. É também com este pano que são homenageadas as visitas e as pessoas a quem se quer dar um sinal de reconhecimento ou agradecimento. É um momento muito simbólico, este, de vestirem o agraciado com o pano escolhido para oferta, quando lhe passam pela cabeça a peça de tiras rectangulares cosidas entre si de forma regular e alternada que lhe vai cobrir o corpo.

Guardo com muita honra e religiosamente vários exemplares destes “panus di pinti” que me lembram, cada um deles, momentos maravilhosos passados com as comunidades guineenses com quem contacto no contexto da ONG Afectos com Letras.

São peças únicas, de um simbolismo extraordinário que trazem em si todo o peso de uma tradição ancestral a não perder. Esta nunca se extinguirá enquanto houver teares e homens a passar a sabedoria desta tecelagem aos mais novos da sua comunidade. Oxalá nunca interrompam esta cadeia de saber. A bem de quem aprecia a beleza do “panu di pinti”. Sobretudo a bem da cultura guineense.

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