Marco Bousende
Marco Aurélio, O Imperador Filósofo, morreu em Panônia, no ano de 180 depois de cristo (d.c.). Membro da família Antonina, foi o último dos chamados Imperadores Bons. Com a sua morte terminou a Pax Romana, sendo que o Império Romano entrou em decadência com a subida ao trono do seu sucessor Cómodo.
Marco Aurélio morreu da Peste Antonina, epónimo que se refere à família dos Imperadores Romanos à data. A peste veio do Oriente trazida pelas Legiões de Lúcio Vero, procedentes das batalhas com os Partos (na região do atual do Irão).
À data os Partos eram os grandes inimigos do Império Romano, impedindo que estes tivessem relações comerciais direitas com a Ásia, cobrando-lhes grandes taxas no comércio de especiarias, por exemplo.
Historiadores afirmam que os Partos teriam sido contagiados nos seus contactos comerciais com os asiáticos, sendo que a origem desta epidemia terá sido a China dominada pela Dinastia Han.
Galeno, o grande médico desta época, estudou esta praga, sendo que se pensa que tenha durado cerca de 15 anos, hevando dúvidas se a patologia seria a varíola ou o sarampo. A gravidade da mesma foi tal que em Roma morriam entre 2 a 5 mil pessoas por dia, para um número de infetados estimado em 20mil. A letalidade seria assim entre 10% a 25% conforme as estimativas. Para além de Marco Aurélio, também Lúcio Vero (co-Imperador) morreu pela mesma.
As consequências foram devastadoras. A mortalidade foi tão alta que a recuperação da população masculina para os números pré-pandemia demoraria 75 anos, afetando marcadamente os meios de defesa do Império, muito dependente de Legiões com números de efetivos enormes.
O campesinato foi também muito afetado. Com a diminuição de população para trabalhar a terra, várias regiões do vasto Império foram-se desertificando. As rendas dos terrenos agrícolas diminuíram, os preços do trabalho não escravo aumentou. A inflação dos produtos alimentares espalhou a fome pelo Império.
Para o agravamento desta situação contribuíram as secas no Egipto. O Egipto, ao contrário das outras regiões não pertencia de jure ao Império, era antes uma possessão pessoal do Imperador, sendo conhecido devido à sua importância pelo celeiro do Império. Nestes anos as secas impediram as inundações dos terrenos do vale do Nilo, fundamentais para a agricultura, agudizando a escassez alimentar.
As revoltas militares sucederam-se no seguimento da crise que se arrastou no Império, sendo que a mítica Roma entrou num paulatino mas imparável declínio.
Justiniano I, o Grande, nasceu em Taurésio no ano de 482 depois de Cristo, tendo sido Imperador Romano do Oriente, herdeiro da antiga Roma entretanto caída às mãos dos bárbaros. Foi Imperador de 527 d.c. a 565 d.c.
Foi um Imperador preeminente, sendo que empreendeu através do seu grande general Flavio Belisário (conhecido por O Último Romano) o Renovatio Imperii Romanorum. Este projeto pretendia restabelecer, a partir de Constantinopla, o domínio romano sobre os territórios que tinham pertencido a Roma no auge de Trajano, o Imperador com o maior território dominado, de quem Camões não se esqueceu em Os Lusíadas. Flávio Belisário conseguiu recuperar grande parte dos territórios, quer no magrebe quer na europa e médio oriente. Mas havia algo com que Justiniano e o seu general não contavam.
A Praga de Justiniano assolou o Império, sendo que o seu nome é um epónimo que tristemente foi usado em referência ao grande Imperador que governava à data. Embora sem certezas, crê-se que esta peste que assolou o Império se trataria da Yersinia Pestis, a mesma que foi responsável pela Peste Negra no final da Idade Média.
Procópio descreveu que a praga atingiu a capital do império, Constantinopla, através de navegadores vindos do Egipto. Estudos genéticos contemporâneos sugerem que a sua origem foi a China. A pandemia atingiu sem piedade a capital que tentava, e até à data com sucesso, restabelecer a glória de Roma. A mortalidade estimada foi tao alta que a população da cidade mais importante e populosa do mundo conhecido passou de 400 a 600 mil habitantes ( segundo diferentes estimativas) para 100mil.
A praga terá ceifado vidas durante dois séculos, sendo que estimativas apontam para 25 a 100 milhões de mortos. Vários autores falam numa mortalidade a rondar um terço da população no Império e na europa.Mais uma vez as consequências políticas, económicas e sociais foram marcadas. Segundo João de Éfaso, a fome graçou pelo extenso Império. A intriga política, insurreição militar e debilidade económica feriram para sempre um Império que parecia reencontrar-se com os tempos de máxima glória, e que assim entrou num declínio que nunca mais foi travado. Os muçulmanos recuperaram territórios no magrebe e no oriente médio. As regiões da europa tornaram-se de difícil controlo.
O Império Romano de Oriente definharia durante vários séculos até à queda de Constantinopla no domingo de Pentecostes de 1453, quando Maome II derrubou Constantino XI, transferindo para ali a capital Otomana, que ainda hoje permanece nas mesmas mão. Agora já não é capital nem otomana, mas parece ter saudades do período até 1922, quando Ataturk a tentou devolver ao convívio mais fraternal com os europeus.
Também vivemos agora uma crise sanitária. Como se percebe facilmente pelos números referidos, a atual pandemia está longe da gravidade das referidas anteriormente. Obviamente os avanços científicos e sanitários permitem outros cuidados de saúde que a podem minimizar, contudo não é esse o ponto que me interessa aqui abordar.
Como já referi no artigo ‘’A Idade Pós-Europeia, de Rómulo Augusto a Francisco Fernando’’ entendo que estamos numa época histórica de decadência europeia. A atual crise associada à covid vem, não só acentuar a mesma, como atingir o coração do Ocidente – a democracia liberal.
Nos Estados Unidos da Améria as ruas estão tomadas pela violência, em Espanha proíbem-se os médicos de falar à imprensa, os gigantes das redes sociais efetuam censura de um modo discricionário e promovem o medo. Pasme-se, a União Europeia, paladina do humanismo, parece tentada a criminalizar o suposto discurso de ódio, abrindo uma auto-estrada para os poderes políticos e judiciais atropelarem o Estado de Direito.
As grandes pandemias sempre se acompanharam de marcadas consequências a níveis políticos, sociais e económicos, que muitas vezes alteraram a ordem geopolítica.
Curiosamente, tudo aponta para que a origem destas três pragas, ainda que separadas temporalmente por quase 2 milénios, tenham tido sido no mesmo espaço geográfico. As duas primeiras levaram aos declínios dos maiores estados ocidentais então vigentes.
Esperemos que os nossos povos, com os poderes políticos e burocráticos à cabeça mas não esquecendo a sociedade civil, não olvidem a história.
Se a conhecerem, bem entendido.