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Cidadania e Sociedade

À ESPERA DA NOVA ORDEM PLANETÁRIA

Regina Sardoeira
Quando, nas primeiras semanas de Março de 2020,  foi anunciada a presença de um vírus de potência e disseminação avassaladoras e depois observei o pais, progressivamente, a fechar-se atrás de portas, senti uma enorme perturbação.
Era a primeira vez que eu e, comigo, toda a gente testemunhávamos e nos tornávamos actores de semelhante situação.
Estar em casa deixou de ser uma opção, um desejo, um regresso após a jornada diária: passou a ser um constrangimento necessário. Lá fora, no ar quase primaveril, ora frio e cinzento, ora morno e repleto de esplendor solar, pairava uma ameaça invisível, um minúsculo agente de infecção capaz de nos invadir o corpo, provocando danos. Lá fora, enquanto a natureza se ia desdobrando em cores, viajava um destruidor implacável, pronto a atingir-nos, se fossemos incautos.
Confesso que foi um período de grande desconforto: interior, porque essa ameaça invisível subia à consciência em cada manhã, exterior, porque me exigiu um olhar novo sobre os hábitos de vida.
A princípio, supus que o vírus, proveniente de uma remota cidade chinesa, acabaria por passar, em viagem acelerada pelo mundo, provocando danos e retirando-se, por fim. Tal como uma tempestade, uma inundação, um sismo, o coronavirus teria uma presença efémera entre nós que poderíamos sair ilesos, caso observássemos certas regras.
O tempo e a proliferação abundante de notícias  demonstraram-me que esta calamidade se revestia de contornos algo diferentes. Não havia uma cura, um antídoto; apenas cuidados, prevenção, panaceias e a ameaça de, numa certa esquina, num súbito encontro, num descuido, poder ser  também apanhada na sua rede invisível.
Fiquei em casa durante três meses, quase toda a primavera.
As lojas, os cafés, os cinemas e, praticamente, todos os locais de acorrência habitual, para o lazer, para o consumo diversificado, encerraram as portas. Os eventos que habitualmente marcam a vida das pessoas – festivais, concertos, celebrações religiosas, romarias, encontros desportivos, etc. – tudo o que atesta o ritmo do tempo e estrutura o espaço desapareceu num passe de mágica.
Por detrás das janelas, o mundo esperava.
Pareceu, a certa altura, que o mal estava, lentamente, a afastar-se. As estatísticas, as percentagens, os números mostravam um decréscimo dos infectados ( e esta palavra passou a ser veiculada em todos os segmentos noticiosos, a ponto de me provocar um grande incómodo). O anúncio da abertura dos espaços de usufruto social, do desconfinamento progressivo, da retoma de alguma normalidade animou o espírito de todos, aptos que se sentiram para abrir as portas e sair para a rua, acorrendo aos restaurantes, bares, cafés, esplanadas, mesmo que condicionados por uma máscara, pela obrigação de desinfectar as mãos e pela manutenção de uma distância convencionada relativamente às outras pessoas.
Creio que, quando chegou o verão, muitas pessoas acreditaram que o pior estava superado, que era possível recuperar o perdido e fazer aquela viagem, ir para aquele local de veraneio, participar naquela festa…penso que uma certa euforia tomou conta das pessoas, após o isolamento.
Mas o vírus continuava activo, à espreita. Que admira, por isso, que o regresso a uma normalidade, mais ou menos condicionada, fosse a causa de uma nova vaga do surto infeccioso?
Claro que as lojas, as empresas, o comércio, as escolas precisavam de abrir. O mundo actual, e desde tempos recuados, gira em torno da economia, a economia exige que as fábricas produzam, que os estabelecimentos comerciais adquiram produtos, que os consumidores acorram aos balcões e comprem. As crianças não podem ficar em casa para sempre, por razões óbvias e a escola tem que recebê-las e instruí-las.
E foi assim que, antes de o vírus ter sido erradicado definitivamente do mundo, este recomeçou a pulsar.
Agora vive-se normalmente, no âmago da anormalidade, leva-se a vida de sempre com pequenos ajustes já convertidos em norma.
Sem cair em especulações, eu diria que este coronavirus, fabricado ou não em laboratório, veio a converter-se no novo poder do mundo contemporâneo. Somos dominados, hoje, por uma invisível partícula de matéria, amplamente disseminada, e aproveitada pelos governos para avançar e recuar, levando-nos consigo.
Passaram sete meses desde esse dia de Março em que o mundo se confinou, receoso e aturdido. Sete meses em que os cientistas à volta do globo se debruçaram sobre o intruso, tornado objecto de estudo, os médicos se  confrontaram com avalanches de doentes infectados. Sete meses, neste nosso século XXI detentor de aperfeiçoadíssima tecnologia, é um período de tempo considerável para detectar, isolar, estudar e inibir um grão de matéria causador de infecções respiratórias mais ou menos graves, eventualmente letais. Uma micro-partícula detém o poder sobre os homens neste momento singular. E ocorre pensar que os governos se demitiram, todos, num acordo secreto, deixando ao acaso o destino das pessoas.
Há quem assevere que este vírus é um mito, uma invenção dos ditadores, mais ou menos ocultos, que desejam dominar e vencer as massas fomentando a angústia e o medo. Pode ser. Há quem diga que uma certa vacina, ainda em preparação, acabará por chegar, devolvendo aos homens a tranquilidade. Veremos. Há quem não pense nada e se deixe arrastar, daqui para ali e dali para acolá, de acordo com as regras impostas.
Por mim, vou vigiando e observando. Desisti de ouvir com detalhe as notícias, os comentadores, os analistas, de prestar demasiada atenção aos gráficos e às estatísticas.  Quem vive atentamente percebe que do interior do mundo algo eclodiu. Estaria lá, desde sempre, encoberto, em maturação, pronto a revelar-se? Foi inventado e criado pelos homens (esses que, se quiserem, e pelo simples facto de o terem inventado, podem também inventar e criar o antídoto) e grassará entre as pessoas até ser construída uma nova ordem planetária? É somente um vírus novo que, tal como outros, entrará numa fase de menor impacto deixando, ao fim de um tempo, a humanidade livre?
Uma coisa é evidente: se quisermos, realmente, podemos extrair deste trajecto de sete meses profundas e úteis lições.

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