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VIAGEM AO CARAMULO

Rui Canossa

Thomas Stearns Eliot, prémio Nobel da literatura, escreveu em tempos que “a jornada, e não a chegada, é o que importa”. Ir, não importa o destino, o que interessa é o caminho, a experiência significativa, a construção das memórias e com quem vamos. Pois, não me podia identificar mais com a frase de T. S. Eliot. Desta vez fui ao Caramulo. O tempo de calor em pleno outono deste mês de outubro exigia uma nova viagem, que com o COVID, uma vez mais foi para terras lusas.

Arrancámos para um fim de semana daqueles que vão deixar a sua marca, ao estilo de outro autor, Mário Quintana, que dizia “viajar é trocar a roupa da alma”. Para lavar os pulmões em bons ares, limpos e frescos, e esquecer a palavra “stress”, não há melhor do que passar uns dias na Serra do Caramulo. Tão saudáveis são os seus ares que a Serra era procurada para a prevenção ou cura de doenças pulmonares.

Situada na região Centro de Portugal, com acesso rápido a partir de Coimbra, Viseu ou Aveiro esta serra, que na Primavera se cobre de coloridas flores silvestres, tem o seu ponto mais alto, miradouro deslumbrante, no Caramulinho, a 1077 m de altitude, depois de subir 284 degraus talhados na rocha. A vista a 360 graus é deslumbrante. A seguir fomos ao cabeço da Neve, outro dos miradouros da Serra onde se praticam desportos radicais como o parapente.

Na pequena localidade do Caramulo, já que pelas minhas pesquisas prévias, só tem mil habitantes, encontra-se um invulgar Museu onde se pode apreciar nada menos do que 65 dos mais fascinantes automóveis que jamais se construíram, alguns deles centenários e únicos. Eis a oportunidade de vos falar de uma outra paixão, tão grande como a de viajar, os carros.

Mas, deixem-me voltar atrás no tempo e falar-vos da história do próprio Caramulo. A localidade do Caramulo nasce em 1921, na vertente sul da Serra do mesmo nome, fruto da iniciativa de um médico, Jerónimo de Lacerda que, do nada, criou a maior estância sanatorial do País e da Península Ibérica. Magnífica obra urbanística dotada de infraestruturas únicas em Portugal, naquela data. Em 1938 já possui água canalizada ao domicílio, uma exemplar rede de esgotos urbanos e respetiva estação de tratamento, sistema de recolha de lixos com forno crematório, energia elétrica produzida a partir de central hídrica própria, bem como um planeamento urbanístico invulgar, com estradas largas com passeios, espaços verdes e jardins públicos de beleza incomparável e numa proporção nunca vista.

É neste cenário que, em 1921 e 1923, nascem dois filhos do Dr. Jerónimo de Lacerda, Abel e João. Cientes de que o progresso da medicina ditaria o fim do Caramulo enquanto centro de tratamento, Abel, que enveredara pela carreira de economista, e o seu irmão João, médico, iniciam a procura de ideias que assegurem a sobrevivência da sua terra e a continuação da obra herdada. Decidem programar a transformação das estruturas existentes em turismo de altitude e retirar ao nome Caramulo o epíteto de doença, convertendo o cenário serrano em polo de atração cultural e artística.

É com esta ideia em mente que Abel e João de Lacerda, fundam nos anos cinquenta, um invulgar museu, situado numa montanha no centro de Portugal, com luxuriante vegetação, virada a Sul, sobre um vale extenso de 80 km: o mais vasto panorama do país.

Abel de Lacerda, apaixonado pela arte, constrói um edifício, com os mais modernos conceitos de museologia, para expor uma invulgar coleção de objetos de arte constituída por 500 peças de pintura, escultura, mobiliário, cerâmica e tapeçarias, que vão da era Romana a ofertas de colecionadores e artistas contemporâneos de renome como Salvador Dali, Pablo Picasso, Chagall, Fernand Léger ou Jean Lurçat, e de consagrados pintores nacionais, como Vieira da Silva, Grão Vasco, Silva Porto, Columbano e do nosso Amadeo de Sousa Cardoso!

João de Lacerda, apaixonado por automóveis, encontra um certo dia, um Ford T em estado de quase sucata. Para e compra-o. Estava iniciada a melhor coleção de automóveis antigos que alguma vez se constituiu em Portugal. Perfeccionista e criterioso, reconstrói meticulosamente os automóveis que vai adquirindo, dando-lhes a grandeza e autenticidade dos tempos em que circulavam pelos caminhos do nosso País. Constrói outro edifício anexo ao primeiro, vocacionado para expor 100 automóveis e motos, dentro do princípio de que todos os veículos pudessem sair facilmente, para exibição e conservação. A guia disse-nos que todos andam! Muitos dos automóveis expostos atualmente têm uma relação com a História de Portugal. Na coleção automóvel exposta permanentemente no museu pode observar-se o mais antigo automóvel ainda em funcionamento em Portugal, o Peugeot de 1899; o Bugatti 35B, em que Lehrfeld estabeleceu, em 1931, o recorde do quilómetro lançado, a mais de 205 km/h; o Mercedes-Benz blindado e o Cadillac que estiveram ao serviço do Prof. Doutor Oliveira Salazar; o Pegaso Sport, oferecido pelo General Franco ao Presidente Craveiro Lopes; o Chrysler Imperial da PIDE que protagonizou a “Fuga da Prisão de Caxias”; o Renault que foi pertença do conselheiro João Franco; o Rolls-Royce que serviu a Rainha Isabel II, o Presidente Eisenhower e o Papa João Paulo II nas suas visitas a Portugal ou o Fiat oferecido ao Dr. João de Lacerda, pelo presidente do Grupo Fiat. Aqueles que mais me prenderam o olhar foram o Lamborghini Miura, o Maserati Merak, um Hispano-Suiza H6B, mas o que fotografei mais com a minha companheira de viagem CANON foi o lendário Ferrari 166 MM Barchetta, que vou deixar-vos ter o gosto de pesquisarem sobre ele. Só para aqueles que são adeptos da marca italiana 166 CC por cilindro (2000 CC para um V12) o MM, é alusivo à vitória na corrida histórica da Mille Miglia e Barchetta é a designação de um pequeno barco, em italiano, que serviu de inspiração para a forma da carroçaria. Mais de 1 milhão de visitantes entraram neste meio século, no Museu do Caramulo.

É mesmo verdade o que li algures neste mundo: “Somos resultado dos livros que lemos, dos cafés que desfrutamos, das viagens que fazemos e das pessoas que amamos”.

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