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Saúde e Vida

A RETINOPATIA DIABÉTICA NA ATUALIDADE

Ivo Filipe Gama

Com a atual situação da pandemia, poderá haver uma maior dificuldade por parte das pessoas portadoras de doenças crónicas em comparecer às consultas de vigilância e a seguir os planos de tratamento necessários. Uma importante doença crónica com elevada prevalência na atualidade é a diabetes mellitus, uma doença metabólica caracterizada por elevados níveis de açúcar no sangue devido a uma insuficiente produção da hormona insulina e/ou a uma resistência aumentada à atuação desta hormona. A diabetes pode afetar múltiplos órgãos e o olho é um deles. A retinopatia diabética é a principal causa de cegueira na idade ativa (entre os 20 e os 64 anos), sendo uma complicação vascular da diabetes. A prevalência de retinopatia diabética na diabetes tipo 1 é diferente da da diabetes tipo 2.  Também quanto maior for a duração da diabetes e pior o contro metabólico da mesma, mais provável será o desenvolvimento de retinopatia. Assim, cerca de 98% dos diabéticos tipo 1 e cerca de 50% dos diabéticos tipo 2 apresentam retinopatia ao fim de 20 anos de evolução da diabetes.

A prevenção da retinopatia é fundamental para reduzir o risco de perda visual na diabetes mellitus e, para isso, é necessários que todos doentes diabéticos adotem as seguintes medidas para atrasar o aparecimento de lesões na retina ou o seu agravamento: cumprir os vários planos de tratamento prescritos (farmacológico, nutricional e de exercício físico), de forma a obter-se o melhor controlo metabólico possível; é fundamental o controlo de fatores de risco cardiovascular associados à diabetes, como a hipertensão e o colesterol e, como a retinopatia é assintomática numa fase inicial, é importante que o doente diabético vá a uma consulta de Oftalmologia pelo menos 1 vez por ano desde o diagnóstico da doença, mesmo que não sinta qualquer limitação visual ou que não tenha quaisquer antecedentes oftalmológicos.

A abordagem da retinopatia é baseada na clínica e assim, torna-se uma síndrome com vários graus de gravidade da doença, com base em diferentes conjuntos de manifestações clínicas distintas de retinopatia diabética detetadas pelo médico oftalmologista no exame de fundo ocular, assim como na análise de exames complementares de diagnostico que poderão ser necessários – retinografia, tomografia de coerência ótica (OCT) e angiografia fluoresceínica. Isto permite segmentar a retinopatia diabética em diferentes estádios ou fases de gravidade, com tratamentos distintos.

Existem dois grandes tipos gerais de retinopatia diabética de diferente gravidade (retinopatia não proliferativa e retinopatia proliferativa), sendo que estes se subdividem em vários subtipos consoante a gravidade. Na fase não proliferativa da retinopatia diabética, ocorre uma saída aumentada de líquido dos vasos sanguíneos para a retina. Isto pode causar um acúmulo de fluido na retina, aumentado a sua espessura – edema da retina. Os vasos da retina também podem ocluir progressivamente, o que faz com que existam áreas da retina em que exista um défice de suprimento sanguíneo (isquemia), o que pode levar a morte de células da retina e a outras alterações que causam um agravamento da retinopatia. Nesta fase, também podem aparecer hemorragias ou exsudados na retina. Os exsudados podem representar isquemia (exsudados moles) ou depósitos resultantes da reabsorção de fluido na retina (exsudados duros).  Quando o edema ou a isquemia atingem a parte central da retina, responsável pela visão de pormenor (mácula), a função visual fica afetada para tarefas como ler, conduzir, ver televisão ou trabalhar no computador. O edema macular é uma causa comum de perda visual por diabetes e consiste num espessamento da mácula, provocado pelo acumulo de líquido nesta parte central da retina, proveniente dos vasos sanguíneos retinianos. A perda de visão pode ser moderada ou grave, no entanto esta perda reflete-se ao nível da parte central da visão. A isquemia macular ocorre quando os pequenos vasos sanguíneos que nutrem a mácula sofrem dano e ocorre disfunção macular por falta de aporte sanguíneo, traduzindo-se numa redução da acuidade visual central.

A fase proliferativa ocorre quando novos vasos anormais (neovasos) começam a crescer na superfície da retina ou do nervo ótico, em resposta a substâncias estimuladores deste crescimento neovascular libertadas pelas células retinianas presentes em áreas de isquemia retiniana. A principal causa desta isquemia é a oclusão extensa de vasos sanguíneos da retina, impedindo o suprimento sanguíneo necessário e o desenvolvimento de neovasos ocorre numa tentativa de aumentar o fluxo sanguíneo para estas áreas, mas estes vasos sanguíneos anormais são incapazes de restabelecer um fluxo sanguíneo adequado e vão originar mais problemas. Frequentemente, os neovasos são acompanhados de tecido cicatricial, que pode causar tração sobre a retina e descolamento da retina. Na fase proliferativa, a perda visual pode ser mais significativa, por comprometer a visão periférica para além da visão central. A perda visual na fase proliferativa pode ocorrer por um descolamento da retina ou por uma hemorragia intraocular no vítreo (substância semelhante a gelatina que preenche a parte central do interior do globo ocular). Se esta for pequena, podem ser visualizadas apenas moscas volantes novas, mas se for extensa, a visão é perdida de forma repentina. Se este sangue não é reabsorvido no prazo de tempo determinado, será necessária uma cirurgia (vitrectomia) para o remover.

Apesar de a retinopatia diabética não ter cura, é possível reduzir a perda visual associada a esta doença com o seu tratamento adequado, que inclui tratamento laser ou a administração de injeções intraoculares de fármacos anti-angiogénicos ou corticosteróides. As injeções intraoculares são a primeira escolha no tratamento do edema macular por serem eficazes na estabilização da visão ou mesmo recuperação visual (geralmente parcial), com resultados superiores ao tratamento laser. O laser está atualmente reservado aos casos de edema bastante localizado e limitado, situado numa região da macula com algum distanciamento do seu centro. Em contraste, na fase proliferativa da retinopatia, o tratamento com fotocoagulação a laser da retina é fundamental, sendo geralmente dividido em várias sessões, de forma a tratar todas as partes da retina, com a exceção da mácula, e é realizado num ambiente de consultório.  Este tratamento permite que os vasos anormais (ou neovasos) regridam e, frequentemente, impede-os de crescerem no futuro, diminuindo o risco de ocorrência de hemorragia do vítreo assim como a tração e descolamento da retina. Nos casos mais graves de retinopatia diabética proliferativa, pode ser necessário uma cirurgia, a vitrectomia, realizada no bloco operatório.

A preservação da função visual na retinopatia diabética é tanto mais precoce for diagnosticada e quanto menor for o seu estadio evolutivo ao diagnóstico, sendo para isso necessário que o doente diabético cumpra um programa de vigilância regular, adaptado a cada caso. O tratamento oftalmológico específico está reservado a apresentações graves da retinopatia que ameaçam a função visual, tais como como o edema macular diabético e a retinopatia diabética proliferativa, sendo que o controlo apertado da doença sistémica diabetes e dos fatores de risco cardiovasculares associados são sempre fundamentais, em qualquer altura, tanto para a prevenção do aparecimento da retinopatia como para a prevenção da sua progressão uma vez realizado o seu diagnóstico, que se pretende que seja cada vez mais precoce.


Médico Oftalmologista

Grupo Trofa Saúde, Centro Hospitalar Tâmega e Sousa, Unidade Local de Saúde do Nordeste

Cédula Profissional da OM n.48828

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