David Amaral
Em 1952, o americano John Cage (1912-1992), compositor de música experimental, estrearia a obra de 3 andamentos para qualquer combinação de instrumentos com duração de 4 minutos e 33 segundos… em silêncio.
4’33” tornar-se-ia, ao longo dos tempos, controversa e incompreendida, em que o total silêncio provocava o desagrado audível da audiência. Cage quis envolver tudo ao redor do palco e parece que o conseguiu.
No início deste mês, a Filarmónica de Berlim, uma das mais prestigiadas e abastadas orquestras do mundo, anunciou um interregno devido à pandemia da Covid-19, concluindo o seu concerto com 4’33” de Cage.
Sem nunca ter sentido especial admiração pela obra, apesar de a compreender à luz da História da Música, fui abalado pelo profundo momento de emoção, tensão no gesto e pela angústia expressa no rosto do maestro Petrenko.
Os 4’33” da Berliner Pilharmoniker foram um verdadeiro manifesto, sem a produção de um único som, em nome das diferentes formas de expressão artística e cultural e ao esquecimento a que têm sido relegadas. A obra na sua essência não significa ouvir nada, mas ouvir tudo. E aquele absoluto silêncio foi ensurdecedor.
Nesta crise pandémica onde são apresentadas duas vias possíveis – a saúde ou a economia – a cultura não está presente em nenhuma delas, pois, compreensivelmente, a missão prioritária é salvar vidas e manter os setores produtivos a funcionar. Contudo, a expressão artística não é apenas entretenimento, deleite ou fruição intelectual. De forma inequívoca e pragmática, contribui para a economia real e para o PIB, com milhares de profissionais envolvidos e famílias dependentes.
Assistimos às dificuldades económicas de diversas instituições, grupos ou artistas individuais, dos anónimos aos mais reputados: o Cirque du Soleil despediu 3500 colaboradores! Face à demora em ultrapassar esta crise, também nós nos vamos esquecendo dos nossos artistas, das suas equipas técnicas, colaboradores, muitos deles trabalhadores independentes sem vínculo laboral e sem desafogo financeiro para mais uns meses sem trabalho.
Todos desempenham um papel na cultura da sociedade, desde as orquestras, companhias de dança e teatro, passando pelos artistas plásticos, até às bandas e mesmo os músicos populares das festas e arraiais.
Sem saúde não há economia. Sem economia não há saúde. Sem arte e sem cultura é o SILÊNCIO.
*Ohne kunst und kultur wird’s still
https://www.berliner-philharmoniker.de/en/titelgeschichten/20202021/coronavirus/