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Saúde e Vida

ENTÃO, O QUE É O GLAUCOMA?

Ivo Filipe Gama

O glaucoma é uma doença oftalmológica crónica frequente, cujo tratamento e acompanhamento não podem parar nesta época da pandemia.

O que é o glaucoma? O glaucoma é uma doença degenerativa que afeta os nervos óticos, por isso, constitui um tipo de neuropatia ótica. Os nervos óticos são os nervos responsáveis pela visão. Na maior parte dos casos, na nossa população, está associada a uma pressão intraocular aumentada, mas também pode ocorrer com pressões intraoculares dentro de valores normais. Existem também outros fatores que contribuem para esta neuropatia, como uma diminuição do suprimento sanguíneo para o nervo ótico. Na população asiática, cerca de metade dos casos de glaucoma cursam com pressões intraoculares normais, havendo múltiplos fatores em jogo, como fatores vasculares e de uma maior “fragilidade” ou suscetibilidade dos nervos óticos destes doentes para o dano provocado pela pressão intraocular, mesmo que em valores considerados normais.

É uma doença crónica sem cura, que tem taxas de progressão variáveis, e que pode levar a comprometimento progressivo da visão periférica, com um afunilamento progressivo do campo visual, até provocar a cegueira num estadio terminal da doença. Nos casos que se associam a hipertensão ocular, numa fase inicial (pré-glaucoma) o nervo ótico não tem dano, mas , com o tempo, se a hipertensão ocular não for detetada e tratada precocemente (e como para níveis abaixo dos 40mmHg não dá sintomas e passa despercebida), vai causando dano progressivo e irreversível no nervo ótico, causando perda progressiva de fibras nervosas. À medida que o dano estrutural nervoso vai progredindo, a visão periférica vai sendo afetada progressivamente. Em casos avançados, pode mesmo ocorrer um afunilamento visual significativo, ou um campo visual “tubular”, que pode ocorrer mesmo que o doente tenha uma visão central relativamente boa. Só em casos ainda mais avançados , este afunilamento do campo visual vai progredindo até comprometer todo o campo visual e assim levar à cegueira.

O que é o origina a hipertensão ocular? A pressão intraocular aumentada é causada por um desequilíbrio entre a produção do humor aquoso (o fluido do globo ocular, produzido numa estrutura do mesmo denominada corpo ciliar) e o seu “escoamento”, que ocorre principalmente (80-90%) ao nível de uma estrutura do olho denominada de trabéculo ou malha trabecular (Fig.1 e 2), mas também em parte (10-20%) ao nível da via úveoescleral.

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Como se diagnostica o glaucoma?

O glaucoma como geralmente não dá sintomas (exceto se a pressão ocular for muito alta, >40mmHg que pode dar dor ocular ou numa fase terminal que dá perda da visão central), geralmente é detetado pelo Médico Oftalmologista numa consulta motivada por outro motivo não relacionado ou mesmo numa avaliação inicial, de rastreio, em familiares diretos de doentes com glaucoma já diagnosticado de longa data, que têm maior risco de vir a desenvolver esta doença do que as pessoas que não tem historia familiar de glaucoma.

É muito importante uma avaliação oftalmológica completa, que inclui um exame clínico completo, realizado por um Médico Oftalmologista, que inclui entre outros, a avaliação das acuidades visuais, a avaliação dos segmentos anteriores dos globos oculares na lâmpada de fenda, a medição das pressões intraoculares, a fundoscopia, para avaliar a aparência e características das cabeças dos nervos óticos (ou papilas), nomeadamente a sua coloração, dimensões (diâmetro) , os diâmetros verticais e horizontais das escavações papilares, o anel neuroretiniano, assim como a mácula, a área central da retina. O glaucoma está associado a um aumento progressivo da escavação papilar e um adelgaçamento do anel neuroretiniano, à medida que o dano nas fibras nervosas evolui. A avaliação do segmento anterior é muito importante, nomeadamente a avaliação do ângulo camerular, ou seja, o nível de “abertura” da parte mais periférica da câmara anterior do globo ocular, assim como das estruturas que compõe este ângulo, através de um exame denominado de gonioscopia. A avaliação das caraterísticas da raiz da íris e da sua inserção é muito importante.

Tanto para o diagnóstico inicial como para o acompanhamento, é fundamental a realização de vários exames complementares, como o tomografia de coerência ótica (OCT) e a realização de exames que avaliam de forma detalhada os campos visuais, sendo nos tempos modernos, utilizado, para este efeito, o exame denominado de perimetria estática computadorizada (PEC). O OCT permite detetar precocemente perda de fibras nervosas, mesmo nos doentes que ainda não apresentam alterações nos campos visuais avaliados pela PEC. O OCT permite informar se existe dano estruturas nas estruturas nervosas principais, como a camada de células ganglionares a nível macular e a camada de fibras nervosas macular e peripapilar, assim como a espessura do anel neuroretiniano nas várias regiões ou quadrantes da papila. Um dano é detetado neste exame como uma diminuição da espessura ao nível destas camadas atrás referidas, que inicialmente é localizado a uma determinada região e que com a evolução da doença, vai aumentado progressivamente em extensão e/ou adelgaçamento da(s) camada(s) referidas.

Quando à PEC, é recomendada que os doentes com diagnostico inaugural de glaucoma, realizem um mínimo de 3 exames de PEC no primeiro ano após o diagnóstico. A capacidade de deteção de alterações dos exames OCT e PEC aumenta com a repetição dos mesmos.

Para o diagnostico inicial, também é importante a realização de um outro exame, a paquimetria central, que avalia a espessura da parte central da córnea (a estrutura transparente da parte externa e anterior do globo ocular), pois os doentes com uma córnea mais fina têm um maior risco de progressão da sua doença glaucomatosa.

Para o seguimento da doença, é necessário, para além da avaliação médica completa, que inclui a monitorização da pressão intraocular, a realização de exames complementares, que inclui o OCT e a PEC. O intervalo de tempo entre as consultas de seguimento e a realização destes exames varia em função da gravidade da doença, ou seja, do estadio evolutivo do glaucoma.

O tratamento do glaucoma pode ser por várias modalidades: farmacológico, tratamento laser, e cirurgia. Todas estas modalidades têm um único objetivo: tentar diminuir a pressão intraocular, pois é o único fator de risco que é possível modificar de forma a tentar-se estabilizar ou, se não for possível, tentar retardar a progressão do glaucoma, que certamente seria maior sem tratamento. Assim, o dano estrutural nos nervos óticos que já correu no glaucoma e que é detetado na avaliação clínica e nos exames complementares de diagnóstico é irreversível, por isso, não é possível a doença melhor, apenas tentar estabilizar ou atrasar a sua progressão para que não ocorra dano estrutural e visual adicional relevante.

O tratamento farmacológico é geralmente a primeira opção, pois é uma forma de tratamento não invasiva e que tem como objetivo, a diminuição da produção do humor aquoso e/ou o aumento do seu “escoamento” , para causar uma diminuição da pressão intraocular. Existem até ao momento, várias categorias terapêuticas, com as formulações tópicas (em colírios) de prostaglandinas (p.e. latanoprost, bimatoprost, tafluprost, etc) , beta-bloqueadores (timolol, betaxolol, etc), os inibidores da anidrase carbónica (p.e. dorzolamida, brinzolamida) e os agentes agonistas dos recetores alfa-2 adrenérgicos (p.e. brimonidina, apraclonidina). Se um fármaco isolado não for eficaz para se atingir a pressão intraocular desejada ou se ocorrer agravamento documentado no OCT e/ou PEC, então é necessário adicionar de forma progressiva agentes farmacológicos (colírios) adicionais, de forma gradual, até se atingir a pressão intraocular “alvo”. Se esta não for atingida de forma farmacológica, é necessário recorrer à outras modalidades terapêuticas: laser, cirurgia.

De qualquer das formas, o doente deve certificar-se junto do seu médico oftalmologista, se a técnica de aplicação do(s) colírios(s) que utiliza, está correta, porque uma aplicação incorreta da medicação tópica pode causar insucesso terapêutico não atribuível ao fármaco em si (e que pode ser confundido como tal se tal não for identificado atempadamente), que pode ser facilmente revertido com a explicação e correção da técnica de aplicação dos colírios, de forma a garantir que estes entram em contacto com a superfície ocular. Também é importante, que os doentes que necessitam de múltiplos colírios, respeitem um intervalo mínimo de 5 minutos ente colírios diferentes que necessitam de aplicar na mesma altura do dia. Uma causa muito comum de insucesso terapêutico é a falta de cumprimento do tratamento por parte do doente, devido a esquecimentos na sua aplicação ou por recusa na sua aplicação devido a sintomas como picadas, olho vermelho ou prurido ocular, entre outros.

A trabeculoplastia laser também pode ser utilizada na abordagem terapêutica inicial nos glaucomas com um ângulo camerular bem aberto, sobretudo nos doente com historial de não cumprimento da medicação tópica, e em determinados tipos específicos de glaucoma, mas geralmente é utilizado, quando o tratamento farmacológico é ineficaz (depois de confirmado com o doente o cumprimento terapêutico e a técnica correta de aplicação dos colírios), sendo frequentemente, um tratamento de “ponte” para um tratamento cirúrgico posterior, devido ao facto de a eficácia da trabeculoplastia laser ser muitas vezes a curto prazo.

A cirurgia é uma modalidade de tratamento que está reservada quando as modalidades de tratamento prévias não são eficazes.

Mesmo nos tempos difíceis de pandemia que vivemos, em que é incentivado o isolamento social, é necessário que os doentes com glaucoma não faltem às suas consultas e exames de seguimento nem abandonem o tratamento, por falta de receitas médicas, entre outros motivos, de forma prevenir-se um agravamento substancial da sua doença, que se ocorrer será irreversível. Também é necessário que os familiares de doente com glaucoma procurem avaliação médica para rastreio desta doença, com vista a tentar-se um diagnóstico o mais precoce quanto possível.

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