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Cidadania e Sociedade

DEFICIÊNCIA: SÉCULOS DE ESTÓRIAS DE (DES)ENCANTAR

Celmira Macedo

Ouvimos muitas vezes dizer que inclusão é uma realidade. Que a era da discriminação, do preconceito e da rejeição há muito que colapsou. Dizem-nos também, como se de uma certeza se tratasse, que as políticas atuais, as ações sociais e as atitudes individuais mudaram a sociedade em que vivemos. Será?

Vejamos a evolução desta temática do ponto de vista histórico e que permitiu (ou devia ter permitido) essa mudança social. 

Na Grécia antiga os valores de beleza, vigor e capacidade física eram vistas pelo povo como condições de subsistência e sobrevivência, o que determinava às pessoas com deficiência uma sentença da clausura e isolamento nas montanhas. 

Em Roma, a Lei das Doze tábuas determinava os direitos de um recém-nascido e em que circunstâncias esses direitos deveriam ser garantidos ou negados. Aos bebés com alguma deficiência, apelidados na altura de “monstruosidades”, não lhes era reconhecido o direito à vida. Era prática corrente atirá-los ao rio, por não representarem a perfeição física idolatrada nos seus Deuses de eleição. Os únicos que eram poupados eram as crianças cegas, por se acreditar que possuíam poderes sobrenaturais e capacidades divinas, ainda que provindas do espírito do mal. 

Na Idade Média, o desenvolvimento das religiões monoteístas e, sobretudo, o exercício da caridade por grupos religiosos, pressionam a sociedade para o respeito pelo direito à vida. O infanticídio deixou de ser uma prática corrente, contudo não eram reconhecidos quaisquer direitos a pessoas com deficiência, mas acreditava-se que se fossem bem tratadas, se obtinha um lugar no céu.

Por altura da industrialização encontram-se referências a postos de trabalho ocupados por pessoas com deficiência, na área fabril. Este é um período marcado pelas primeiras tentativas de educar esta população, sendo as primeiras escolas de ordem religiosa (mas segregados da restante população).

É a partir da segunda metade do século XX, sobretudo após a segunda guerra mundial, com a valorização dos direitos humanos, que começam a surgir os conceitos de igualdade de oportunidades, direito à diferença, justiça social e solidariedade, introduzidos por concepções jurídico-políticas e sociais de Organizações como a ONU, a UNESCO, a OMS, a OCDE, o Conselho da Europa, etc. As pessoas com deficiência passam a ser consideradas como detentoras dos mesmos direitos e deveres de todos os seus concidadãos e, entre eles, o direito à participação na vida social e à consequente inclusão escolar, social e profissional.

Confirma-se neste horizonte temporal um vento de mudança. Questiono se aparente ou profunda. 

Uma mudança estrutural começa cedo, na família. Lugar de socialização por excelência, onde se desenvolvem as primeiras atitudes rumo à autodeterminação das pessoas com diversidade funcional. Prolonga-se na escola, onde se concretiza numa educação EKUItativa* para todos, garantindo o desenvolvimento de competências para a vida escolar e pós-escolar.

Assim sendo e volvidos tantos anos, como se compreende que, um grande número de jovens com deficiência ou necessidades educativas, com razoável nível de funcionalidade, saiam da escola sem qualquer tipo de competências de literacia? Sem saber ler, escrever ou comunicar, condições únicas para se tornarem cidadãos autónomos e alcançarem uma vida independente?

A resposta a esta pergunta flutuará na consciência de cada um de nós.

*EKUItativa: Junção do acrónimo (EKUI) que significa Equidade, Knowledge, Universalidade e Inclusão ao adjetivo equitativa.

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