Mateus Oliveira
O fim do ano acarreta regularmente a necessidade de retrospectivas. Quando pensei no tema para esta minha última crónica de 2020 foram muitos os temas que me assaltaram o pensamento. De todos o que mais me inquietou foi o de perceber que à minha volta – num país que esbanja dinheiro em futilidades – há uma extensa lista de crianças de famílias carenciadas que não terão um brinquedo no Natal. Ouvir isto foi um enorme murro no estômago que me angustiou profundamente… No entanto, não quero que esta crónica sirva para alimentar ainda mais a névoa depressiva com que este ano de 2020 fez questão de nos envolver… até porque isto dos brinquedos é algo que hei-de ajudar a resolver com os amigos que nunca me falham.
Assim sendo, resolvi “fugir” já para 2021. Com a certeza de que, talvez mais do que nunca, seja um ano de desafios a todos os níveis, apetece-me partilhar convosco – numa crónica com alguma dimensão introspectiva – a forma como me tento alimentar intelectualmente para aquilo que me proponho no novo ano que tarda em chegar. Passo a explicar. Sou profundamente insatisfeito. Sinto, constantemente, que posso “ser mais”. Por mim. Pelos meus. Pelos outros. Pela minha profissão. Pela sociedade. Enfim, por tudo o que me envolve e me define. E, hoje mais do que nunca, sinto que é hora de “me enfrentar” e largar a minha zona de conforto.
Curiosamente, se houve aspecto positivo que esta melancolia colectiva me trouxe, foi a capacidade de criar. Tenho tantas ideias… quero fazer tantas coisas… tenho projectos incríveis a fervilhar na cabeça que podem ser um contributo honesto para a melhoria de vida de muitas pessoas! Assaltam-me dúvidas sobre a minha capacidade de levar tudo a bom porto. Nesse sentido, resolvi – há sensivelmente um ano – descobrir e redescobrir dois dos maiores génios da portugalidade, Eduardo Lourenço e Agostinho da Silva, respectivamente. Quero, como nunca, perceber-lhes as motivações e, porventura, assimilar-lhes as lições. (Nem sempre é fácil… e ando, há 3 anos, a lutar com “A Estranha Ordem das Coisas”, de António Damásio, claramente sem conseguir chegar à profundidade que o livro exige).
Assim, em jeito de balanço, permitam-me sugerir-lhes “redescoberta”. De nós e do que é nosso. E que essa redescoberta sirva, acima de tudo, para me e vos permitir partir à conquista de 2021 com um olhar diferente. Simultânea e antagonicamente mais e tão afectuoso e fraterno quão determinado e aguerrido. 2021 precisa do melhor de nós… porque há muito para fazer e muito para mudar!
“Não te deixes derrubar pela insignificância dos pequenos momentos e serás homem para os grandes; se jamais te faltar a coragem para afrontar os dias em que nada se passa, poderás sem receio esperar os tempos em que o mundo se vira”
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– Agostinho da Silva, Dos Dias Monótonos, Considerações [1944], in Textos e Ensaios Filosóficos I, p. 113.