Maria João Covas
Dezembro! Dezembro de 2020. Um ano tão promissor nos números, mas tão desastroso na vida.
Todos nós vamos recordar este ano como aquele em que as nossas vidas mudaram. Todos nós vamos lembrá-lo como um ano de alterações. E sobre isso não existem dúvidas. 2020 foi um ano diferente.
Pessoalmente descobri que gosto de trabalhar em casa, que a presença dos meus amigos me faz falta, que o confinamento não é um peso.
Profissionalmente foi um ano de mudança, de desafios e de crescimento.
E nas leituras foi um ano de descobertas. Olhando para trás vejo que li muitos autores que não conhecia e passei a amar (como por exemplo: Fredrick Backman como o seu Ove ou a sua Britt-Marie), redescobri autores que tinham feito parte da minha vida e que acabaram por ressuscitar da memória esquecida (como por exemplo Jeffrey Archer) ou ainda voltei a velhos amigos que nunca estiveram ausentes (como Sveva Casati Modignani).
Mas, na verdade, 2020 foi o ano da descoberta do prazer de ler não-ficção. Este género sempre me meteu um pouco de medo e ansiedade. Em que medida valeria a pena ler sobre a vida de alguém? Ler uma vida clara, objetiva, sem que houvesse um trabalho de criação e ficção que servisse de intermediário. Erro meu! Todas as biografias, autobiografias, livros baseados em factos reais, são uma ficção, são uma construção de quem escreve, de quem olhou para trás e resolveu selecionar aqueles episódios. Há quem diga que a memória é traiçoeira e houve também alguém que disse que “O poeta é um fingidor…”.
No entanto, e talvez de forma inconsciente, este foi um ano de não ficção. Logo em fevereiro li dois livros deste género. Ambos autobiografias, ambos diferentes. Em “Uma educação” da Tara Westover conhecemos uma jovem que contra a sociedade em que vive, resolve ir estudar por acreditar que a liberdade nasce do conhecimento e devorei “Eu, Elton John” a descoberta do ser humano que está escondido pelo ar excêntrico e pelo glamour.
Março chegou com a perda de uma mãe que marcou de tal forma este “Filho da mãe” levando-o (e estou a falar de Hugo Gonçalves) a voltar ao local onde tinha sido feliz e, interpretação minha, ainda estava completo.
Abril passou e a ficção ganhou neste início de pandemia. A realidade era tão dura que a ficção compensou essa rigidez.
Mas com a primavera, chegou a vida de um homem que eu não conhecia (ignorância pura e indesculpável) um homem de outro continente, outro meio, outra cor. Trevor Noah coabitou com Agatha Christie e os dois deram-me a verdade das suas vidas e a noção de que todos somos iguais pois todos sentimos, acreditamos, sonhamos e pensamos do mesmo modo.
E assim 2020 foi-se apresentando entre reuniões virtuais, máscaras e álcool gel, mas vidas tão reais que me fizeram chorar enquanto lia “A espera de Fernanda” ou sentir “Apneia” com todas as Adriana que a Tânia Ganho me deu a conhecer.
Neste dezembro, em que a espera e a luz ao fundo do túnel continuam a ser a miragem pretendida, o fim de ano vem com Isabel Allende (“Mulheres da minha vida”) e Vanessa Springora (” Consentimento”). Livros duros, com temas arrepiantes, mas de mulheres que sobreviveram e acabaram por ter os seus sonhos sempre no horizonte. Mulheres que principalmente acreditaram. Nelas, nos outros, na vida.
Acreditar é, pois, a palavra de ordem. Acreditar em nós, nos outros, nos livros, na vida. Acreditar que vamos chegar ao outro lado do túnel. Amachucados, esfolados, mas de cabeça erguida, pois como os super-heróis também nós vencemos.
Feliz Natal e um 2021 cheio de saúde, sonhos e livros.