Carla Guimarães Cardoso
Muito se tem ouvido falar da imunidade de grupo/herd immunity. Quer como estratégia governamental face à pandemia quer como objectivo a atingir na fase de vacinação.
Traduzindo do inglês “herd immunity” significa literalmente imunidade de manada e isto espelha a origem do termo. Em 1916, os veterinário americanos George Potter e Adolph Eichhorn usaram pela primeira vez o termo num artigo, publicado no “Journal of the American Veterinary Medical Association”, relacionado com o “abortamento contagioso” que atingia as manadas de gado bovino. Eles determinaram que mantendo uma manada com os indivíduos resistentes à doença, procriando-os entre si e evitando a introdução de novos espécimes conseguiam atingir a imunidade da manada. Em Julho de 1919, no Lancet o bacteriologista W.W.C. Topley publicou o seu estudo sobre a evolução das epidemias. Ele conclui que, se não houver um influxo constante de indivíduos susceptíveis, o aumento da prevalência de indivíduos imunes determinará o fim da epidemia. Em 1923, juntamente com G. S. Wilson denominam este fenómeno de “herd immunity” e assim o termo entrou na gíria médica.
Nos anos 30 o conceito foi fixado pela epidemiologia e denominado imunidade populacional e refere-se à protecção indirecta que indivíduos susceptíveis obtêm em relação a uma doença infecto-contagiosa quando a população em que estão inseridos se torna imune a essa doença por vacinação ou por ter desenvolvido previamente a doença.
O termo ganhou mais relevância nos anos 50 e 60 à medida que o desenvolvimento de novas vacinas levantavam perguntas cruciais na política de saúde pública.
Uma dessas perguntas é o limiar de imunidade, ou seja, a percentagem de indivíduos da população que terá de ser imune à doença de forma a quebrar as cadeias de transmissão e assim a epidemia. Este número varia de doença para doença e está relacionado com o número básico de reprodução (R0), ou seja quantas pessoas serão infectadas por um doente. Sabemos que para o sarampo o limiar de imunidade é de 95% e para a poliomielite de 82%. Quanto maior o R0 maior será o limiar de imunidade. Para o SARS-CoV-2 pensa-se que o limiar de imunidade se situará entre os 50% e os 67%.
Este limiar pode ser alcançado naturalmente, deixando a doença progredir sem restrições de maior mas tentando proteger a população que desenvolverá doença mais grave ou através da vacinação.
Ao vacinar um indivíduo evitamos a sua doença e anulamos a sua capacidade de transmissão do agente infeccioso. Se o agente não é transmitido a cadeia de transmissão é quebrada e a epidemia tem o seu fim. Controlamos a doença sem um aumento inaceitável da mortalidade.
Ao deixarmos a doença progredir naturalmente e, como é óbvio, não sendo possível o total isolamento dos grupos de risco poderemos eventualmente atingir a imunidade populacional mas com um custo elevado em vidas humanas. Até esta data os vários estudo epidemiológicos levados a cabo nos países que adoptaram esta última estratégia mostram uma seropositividade para o SARS-CoV-2 próxima dos 10%, longe do limiar de imunidade populacional. Esta estratégia tem sido abandonada pelos países que inicialmente a adoptaram.
Atingir a imunidade populacional através da vacinação é um modo seguro e eficaz de controlar doenças e salvar vidas.
O desafio que agora se coloca a perceber a duração da resposta imunitária nos doentes infectados e nos vacinados.