David Amaral
Convido-vos, caros leitores, a pesquisar vídeos do Festival da Canção de 1976, não só do tema vencedor “Uma flor de verde pinho” (J. Niza/M. Alegre), mas dos restantes, saltando à vista um denominador comum ou a estrela maior: Carlos do Carmo.
A RTP decidiu fazer o Festival, “Uma canção para a Europa”, diferente do habitual, convidando diversos compositores, poetas e um único cantor para interpretar as canções, selecionadas por um júri que desconhecia os seus autores.
Após a 1ª emissão e a apresentação dos temas a concurso, o público escolheu a canção preferida através do envio de cupões, presentes em revistas e jornais. Na 2ª emissão apresentaram-se os resultados do voto do público e foram, de novo, interpretadas as canções.
Viviam-se tempos politicamente agitados com acesas lutas partidárias que, segundo os relatos da época, se estenderam ao festival. Deixando a política de lado e focando-nos no essencial – as canções, os autores e o intérprete – entendemos o legado deste evento na história da música portuguesa.
O nome escolhido para interpretar todas as canções teria que ser consensual e de reconhecida qualidade. Carlos do Carmo, à época com 36 anos, um jovem, foi o nome escolhido pela RTP, não havendo relato de qualquer contestação. Este facto ajuda a perceber o enorme reconhecimento e admiração que granjeou ao longo da sua vida e após a sua morte. Em 1976, Carlos do Carmo já era grande!
O que torna, afinal, este evento memorável? Participaram os melhores: Ary dos Santos, Carlos Mendes, Fernando Tordo, Joaquim Pessoa, José Luís Tinoco, José Niza, Manuel Alegre, Paulo de Carvalho, Tozé Brito que já sabiam estar a compor para Carlos do Carmo que, após 15 dias fechado numa casa, com o seu amigo, maestro e arranjador Thilo Krassman, aprendeu todas as canções e as interpretou como se fossem suas há muito.
Carlos do Carmo partilhou a interpretação de alguns temas com os seus autores, estando fisicamente próximo do público e restantes músicos que se cumprimentavam cordialmente.
Outra particularidade foi a presença de Vitorino d’Almeida na 2ª emissão que, após cada interpretação, se sentou ao piano fazendo a análise musical. Depois de “No teu poema”, num momento sui generis, mas delicioso, chamou Carlos para interpretar parte do tema, de modo a justificar o seu comentário, e ainda Thilo para o acompanhar ao piano que confidenciou que aquela canção era a sua preferida pois resistia a qualquer tratamento musical.
Deste festival perdura, não só a canção vencedora, mas ainda temas como “No teu poema” (Tinoco), “Estrela da Tarde” (Tordo/Ary), “Novo Fado Alegre” (Tordo/Ary), entre outros, e ainda “Lisboa Menina e Moça” (P. Carvalho) que, pasme-se, não foi selecionada pelo júri. Contudo, Carlos do Carmo “enamorou-se” por ela na fase de seleção, pediu a Ary dos Santos que escrevesse uma nova letra e nunca mais a largou ao longo de toda a sua carreira.