Isabel Madureira
Ao longo da minha experiência como professora, já assisti a muitas mudanças operadas nas escolas portuguesas, umas para melhor, outras para pior.
Verifica-se que na educação, que a cada mudança de governo, se mude o que até aí esteve em vigor apenas para deixar uma marca que, por vezes, tarda em desaparecer. A educação tem vivido nas últimas décadas uma verdadeira avalanche legislativa, quer no que diz respeito à estrutura curricular como os programas das disciplinas, quer no que diz respeito à avaliação dos alunos.
Os estudos nacionais e internacionais referem que Portugal é um dos poucos países membros de OCDE onde se tem observado uma tendência de melhoria de resultados. Estudos internacionais como o PISA têm feito prova desta melhoria em todos os domínios
A lei desenhada pelo atual Ministro da Educação, Tiago Brandão Rodrigues, vai no sentido de facilitar a passagem escolar dos alunos, pois no Artigo 21º do Despacho Normativo que regula os princípios da avaliação e das aprendizagens dos alunos lê-se que “a decisão de transição para o ano de escolaridade seguinte reveste carácter pedagógico, sendo a retenção considerada excecional”. Ora aqui está o busílis da questão: hoje em dia é muito difícil reter um aluno, mesmo que ele não tenha aprendido nada. A teoria subjacente à retenção é que no ano seguinte, esse aluno poderia estar ainda mais longe de cumprir as aprendizagens essenciais. Na verdade, a minha experiência diz-me que, salvo raras exceções, o aluno que reprova, no ano seguinte está ainda pior. Esta facilidade na transição dos alunos também tem subjacente a prevenção do abandono escolar, transitando, o aluno não correrá riscos de abandono.
Depreende-se que esta lei, nos moldes em que foi desenhada, leva à “interpretação do facilitismo” e por isso, o “chumbo” tem um carácter excecional. Daí que aplicar esta lei é “enganador e prejudicial ao aluno”. O sistema atual leva a que o objetivo principal seja o sucesso obrigatório e sem esforço. Por isso dizem-nos que os alunos devem progredir tendo em conta o seu ritmo de aprendizagem, mas não se pode deixar ninguém para trás.
Todos nós sabemos que existem razões muito objetivas na determinação com que se persegue o sucesso pleno. Para além das razões de ordem económica, é também objetivo de sucessivos governos alinhar o país e as políticas educativas no quadro estatístico internacional. Baixando a fasquia, passam todos.
O Decreto-Lei nº 176/2012 que regula o regime de matrícula e de frequência no âmbito da escolaridade obrigatória das crianças e dos jovens com idades compreendidas entre os 6 e os 18 anos e estabelece medidas que devem ser adotadas no âmbito dos percursos escolares dos alunos para prevenir o insucesso e o abandono escolares, é um reflexo disso mesmo. O cumprimento da escolaridade de 12 anos é relevante para o progresso social, económico e cultural de todos os portugueses. Este processo deve ser seguro, contínuo e coerente, garantindo a promoção da qualidade e da exigência no ensino e o desenvolvimento de todos os alunos.
Este aumento da escolaridade obrigatória é visto como um bem em si mesmo. O aluno, ainda que pouco ao nada motivado para o estudo, só tem a ganhar se andar mais tempo na escola. Presume-se que alguma coisa há de aprender. No entanto, a realidade mostra-nos que, e embora sejam uma minoria ou talvez não, há mesmo alunos nos quais diversos factores, como a idade, as vivências, o temperamento ou aquilo a que eufemisticamente costumamos chamar os “interesses divergentes dos escolares” se conjugam para criar uma verdadeira aversão à escola. E, perante a obrigatoriedade legal, o controle por parte das escolas, das comissões de proteção de menores, da inspeção do trabalho e de outras entidades é hoje muito mais efetivo, desencorajando o abandono escolar antes de cumpridos os deveres da escolaridade. Em suma, continuamos a ter na escola alunos que não querem lá estar, desmotivados e, por consequência indisciplinadas, pois não veem utilidade nenhuma no conhecimento que, eventualmente, poderiam adquirir.
A minha experiência tem-me dito, constantemente, que é muito difícil ensinar quem não está minimamente interessado em aprender. A única coisa que se valoriza é a cultura da nota para entrar no chamado “Quadro de Excelência”. As aprendizagens são totalmente desvalorizadas pelos alunos, mesmos por aqueles que almejam chegar ao quadro de excelência. E, por isso, somos bombardeados todos os dias com impertinências dos alunos que colocam questões dignas de grandes reflexões, como por exemplo: para que é que isso serve? Eu quero ser atriz, para que preciso de saber história ou matemática? Por que é que temos de fazer testes? Poderia aqui apresentar um rol de reclamações que os alunos apresentam à mínima oportunidade.
Posso dizer-vos que este ano letivo, fiquei estupefacta com os níveis atribuídos em algumas das minhas turmas, especialmente numa cujos alunos são filhos da “elite” da zona. Pela primeira vez dei por mim a elaborar um relatório para justificar os níveis três atribuídos por mim nessa turma, não fossem os pais reclamar. Ao que parece, não reclamaram, pois trata-se ainda da avaliação do primeiro período. Se fosse no final, os recursos de nota iriam abundar certamente.
Sinto-me desiludida, desmotivada e desmoralizada com o ensino que temos em Portugal. Hoje em dia alunos não querem aprender coisas novas, acham tudo um “seca”, são muito pouco curiosos, empenhados e responsáveis. Só estudam, os que estudam, na véspera do teste e estão formatados para questões concretas pois “pensar” implica muito esforço e eles não apresentam disponibilidade para isso. Como professora sempre me empenhei em provocar a curiosidade nos meus alunos, preparo todas aulas com rigor e profissionalismo, mas às vezes parece-me que é um esforço hercúleo ensinar alunos que não gostam da escola e não querem aprender.
Esta desmotivação geral gera indisciplina nas salas de aula e é muito difícil levar a cabo a gigantesca tarefa de educar alunos. Essa devia ser uma tarefa dos pais, mas rapidamente é transferida para a escola, pois há pais que se demitem da tarefa de educar os seus filhos.
Para concluir esta minha reflexão, devo dizer que estou desmotivada, mas ainda não desisti. Com a minha exigência, alguma marca hei de deixar naqueles que me passam pelas mãos. Estou em quer que algum dia os meus alunos irão dizer que fui eu que, pela primeira vez, lhes falei de fado, de literatura, de pintura e de tantas outras artes. As minhas aulas são propiciadoras de outros conhecimentos sempre que eles se justifiquem e por isso nunca perderei a oportunidade de lembrar Pessoa, Camões, Sophia, Eça e outros que considero fundamentais para a sua cultura.
O que eu queria mesmo é que os meus alunos saíssem do manual e procurassem todos os conhecimentos que vão para além do programa. Queria alunos motivados, empenhados, destemidos e sobretudo curiosos. Mas tal como dizia Rousseau “Só se é curioso na proporção de quanto se é instruído”. É a curiosidade que fortalece a inteligência, aumenta a energia mental e física e impulsiona um melhor desempenho. Por isso, as nossas escolas têm de provocar a curiosidade nos alunos para que estes possam aprender com satisfação e alegria. A curiosidade é o despertar do prazer de conhecer, de compreender, descobrir, construir e reconstruir o conhecimento Esta habilidade é desenvolvida ao longo da vida e serve para conhecer e compreender o mundo, a sociedade e o movimento das ideias.